Sunday, 18 March 2018

Nos Desertos, nas Montanhas (XL): Osh

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5/10/2012

Kim partiu ao amanhecer. Nos despedimos de novo rapidamente. Meu amigo fotógrafo de Singapura foi convidado a participar de um evento em Tashkent e iria agora enfrentar longas horas de van de Andijan (perto de Osh, mas do lado uzbeque da fronteira) até a capital uzbeque. Nós, eu e Iker, continuaríamos dormindo por mais uma hora antes de visitarmos outra cidade perto de Osh, Özgön. Iker ainda me acompanhará nos próximos dias em uma volta pelo Quirguistão até a pequena cidade de Kochkor, e lá por fim seguirá seu caminho separadamente de mim até Almaty, de onde pegará o avião para a Espanha.

Özgön, ou Uzgen, ficou tragicamente conhecida como um dos palcos, juntamente com Osh, dos conflitos étnicos de 1990. Fica a cerca de 1h de van (sem trânsito) de Osh. De acordo com um balanço de 2011, nada menos que 90,7% da população de Özgön é uzbeque. Porém, não espero ver muitos chapéus uzbeques na rua. É a mesma coisa que em Osh. Os massacres ensinaram uma lição difícil de esquecer. Qualquer manifestação de orgulho uzbeque é um risco.

Foi uma pequena odisseia sair de Osh. De fato, matamos de vez a saudade de um dos principais "prazeres" das cidades grandes, o trânsito. Para começar, o ponto inicial da van para Özgön ficava perto do mercado de Osh, onde, naturalmente, a rua é um caos. Ônibus, vans, carros, bicicletas, pedestres, vendedores, todos juntos, estressados e barulhentos.

Em segundo lugar, em um incidente típico dos ex-países soviéticos da Ásia Central, tivemos que esperar 20 minutos em um cruzamento que foi fechado pela polícia para a passagem de uma autoridade. Era o presidente? O governador local? Ninguém sabe. O transporte, para esses sujeitos, parece sinal de status. Parece que, quando mais causar transtornos, quanto mais parar a cidade, mais seus egos ficam inchados. Melhor seria mantê-los em suas jaulas de ouro, e, nisso, neste desprezo às autoridades corruptas, vaidosas e sem respeito pela coletividade, me uno a todos os meus amigos de Uzbequistão, Tajiquistão, Cazaquistão e Quirguistão.

Assim, um atraso foi inevitável. Umas 2h de viagem no total, chegamos ao meio-dia. Logo ficou claro como sair de Osh foi uma boa ideia: meu novo destino me recebeu bem. Pouco trânsito. Gente indo e vindo com sorrisos no rosto, olhando para mim com curiosidade sincera. Mesmo o tempo estava bom. Estava nublado e meio chuvoso! Foi uma dádiva após tantos e tantos dias seguidos de Sol. Um descanso para a pele castigada pelo Pamir.

Iker não havia planejado vir a Özgön, mas eu insisti para que viesse. Meu argumento foi que, aqui, há outra joia arquitetônica, como tantas na Ásia Central.

Trata-se um conjunto de três mausoléus e um minarete da época dos karakhanidas, que dominaram esta região entre os séculos X e XIII e fizeram de Özgön uma de suas capitais. Um povo perdido na terra dos povos esquecidos, engolidos pelas areias do tempo. Mas nem tão perdido, nem tão esquecido em Özgön, onde os moradores têm a seu lado, só ao levantar a cabeça, um constante lembrete de sua glórias. Novamente, depois de rastrear as pegadas dos karakhanidas no sul do Cazaquistão, as encontro por aqui, no sul do Quirguistão. Mais um sinal de como estes países estão entrelaçados, como suas histórias são as mesmas, ecoam-se.

Os mausoléus, do século XII, lembram o celestial mausoléu de Aisha Bibi, em Taraz. Mesmo se eu não soubesse a época em que os monumentos de Özgön foram construídos, seria capaz de adivinhar que eles são karakhanidas justamente por essa semelhança. Como lá, aqui os mausoléus e o minarete são todos cobertos com tijolos com ricos padrões decorativos, mas sem azulejos coloridos. Nessa época em que os prédios foram construídos ainda não existia a técnica usada depois para colorir os gloriosos prédios de Bukhara e Samarkand.

A falta de cor, o uso apenas de terracota na fachada, acrescenta com sua modéstia uma beleza particular aos três mausoléus, que, de qualquer forma, não têm igual em nenhum outro lugar. Podem não chamar tanto a atenção quando o mausoléu de Aisha Bibi e seus mais de 50 tipos diferentes de padrões geométricos na fachada. Contudo, aqui, encontrei padrões que sugerem figuras de plantas. Não havia visto nada assim: inscrições em caligrafia cúfica misturadas com ramos vegetais, lembrando botões de rosas e outras flores. Além disso, são tão incomuns por serem três, juntos, um ao lado do outro, colados, enfileirados.

Juntos, mas construídos em anos diferentes e com fachadas diferentes uma do outra. O mausoléu do centro é o mais importante, e teria guardado os restos de um dos reis do khanato karakhanida, Nasr Ibn Ali. Parte de sua fachada está pelada; no seu interior, fiquei me perguntando onde estava sua tumba, não a encontrei. E o péssimo estado de conservação de partes da câmara interna me deixou triste. Por outro lado, as fachadas na entrada dos outros dois mausoléus roubaram o show. Foto após foto, tentei capturar a riqueza dos detalhes, como em Aisha Bibi. Uma tarefa difícil. Nenhuma imagem fará jus ao que se vê com os próprios olhos.

Encontrei, então, em Özgön uma irmã histórica de Taraz. Passeando rapidamente pelo mercado, ficou claro também o elo com outro local que visitei nesta viagem, Chorku. Como a vila tajique, Özgön exibe um intenso conservadorismo islâmico, com sinais difíceis de se ver em cidades grandes da Ásia Central. Cruzei com muitas mulheres com o véu completo, cobrindo tudo, menos os olhos. Desta vez, pelo menos, diferentemente do que ocorreu em Isfara, elas não simplesmente desviaram do meu caminho, como se eu tivesse alguma doença. Nem pareceram depender dos homens para transporte. Mesmo assim, vê-las vestindo a vestimenta completa destoa do que costuma se ver nos países da ex-URSS, onde há uma herança de secularismo. Iker, especialmente, pareceu impressionado em encontrar mulheres seguindo uma vertente tão conservadora do Islã nesta região. Ele nunca havia visitado o Vale de Fergana, uma região conhecida por seu conservadorismo, nem muito menos visitado Chorku, onde encontrei isso com maior peso.

No almoço, deliciosos shawarmas (churrasco grego) com muita maionese perto do mercado em um restaurante "internacionalmente conhecido" de Özgön: o "Burger King". O espertinho do dono do estabelecimento se apropriou sem nenhum pudor do logotipo da rede americana. Por outro lado, nada de oferecer whoppers - no menu, sim, hambúrgueres, x-búrgueres e as opções tradicionais de fast food centro-asiáticas, como o shawarma.

A comida não foi nada de excepcional. Porém, agora eu posso falar, sem mentir, que comi em um Burger King no coração do longínquo Vale de Fergana, onde a legítima cadeia de restaurantes está longe de ter filiais. Só é melhor omitir que essa aventura me trouxe uma diarreia.

Antes de voltar para Osh, compro no mercado a cola para finalmente colar meu passaporte.

Osh, 6/10, 7h35

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