O que é "Novas Fronteiras"?
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18/8/2018
De noite, na penumbra, as crianças se reuniam ao redor da bola. Era uma gritaria, uma confusão. Quase não dava para ver a bola sendo passada rapidamente de pé a pé. Um lado do pequeno quintal com chão de tijolos estava um pouco iluminado, o outro, completamente às escuras. Havia um moleque de uns sete ou oito anos e outros mais velhos, com uns 14.
De repente, o menor, empolgado, chutou forte a esfera. Ela pegou em cheio na cabeça de um dos maiores. A bola então subiu alto. O menino atingido ficou por uns segundos desnorteado, bambo, ameaçando desabar. Mas em seguida começou a rir, olhando para o franco-atirador. Todos os meninos riram. Eu também.
Bem ao lado do campinho, uma monumental muralha, a formidável proteção de uma cidade que, um dia, foi capital de um cruel reino, o cenário de um dos maiores e mais temidos mercados de escravos da Ásia Central. A cidade que, um dia, foi um lugar tão distante e impossível de se chegar, tão malfalado, que poucos do resto do mundo se aventuravam pelos desertos que a cercam para alcançá-la e vê-la com os próprios olhos.
De sanguinária e assustadora... a campinho de pelada.
O bate-bola ocorreu em Ichon-Qala, a cidade velha de Khiva. Lembro que, quando estive aqui na vez anterior, há 15 anos, meu livro-guia dizia que Ichon-Qala, uma cidade-museu a céu aberto, separada pela muralha do resto (moderno) de Khiva, era um lugar morto. O livro dizia que tamanho esforço de restauro e preservação do patrimônio arquitetônico e de atrair os turistas fez com que a vida fosse "espremida" das muralhas na cidade velha. O mesmo ecoava o escritor Colin Thubron em sua aventura em Khiva:
Quando eu cheguei à cidade, era como se o ar tivesse congelado o lugar. Ele fora restaurado pelos soviéticos sem dó, sua vida fora lavada, dentro de suas muralhas, senti eu, nada nunca aconteceu nem aconteceria. O lugar parecia ter sido criado em um instante, sem um passado (...) Tudo estava sob cuidados, higienizado. Sobre o absoluto tom cáqui da madrassa, os azulejos verde-azuis brilhavam, raros e repentinos. Ninguém estava rezando nos museus-mesquitas. Apenas os ladrilhos que faziam o piso das ruas, gastos como os de Pompeia pela passagem das rodas de ferro das antigas carroças, traía a percepção de que alguém, algum dia, vivera aqui.
- Colin Thubron, The Lost Heart of Asia (1994)
Hoje, 2018, o que vejo: isso não é totalmente verdade. Porque aqui não faltam moradores. Moleques peladeiros vivem aqui, com seus pais, tios, primos. Não falta vida em Ichon-Qala, e, certamente maravilhado na minha primeira vista em 2003 com as pérolas arquitetônicas do oásis, eu sequer percebi isso. Mas, como em Samarkand, para ver a vida é preciso se afastar da rua principal, à qual todos os turistas são guiados naturalmente ao atravessarem o portão principal. Nessa rua, o que se vê é uma sequência de barraquinhas e se fala mais inglês que russo ou uzbeque. Há bugigangas diversas para o turista comprar e dizer que esteve em Khiva. Tudo limpo e perfeito, como gosta de ver o governo uzbeque, para agradar o turista que eles consideram certo, o que tem uma volumosa carteira. Ao redor da rua, os mastodontes arquitetônicos, absolutamente deslumbrantes, são totalmente dedicados à exploração turística, apenas carapaças, testemunhas de um mundo muito diferente que não existe mais. Já era assim há 15 anos, e, de fato, como diz Thubron, tudo ficou congelado pelo ar. Nessa área turística, as crianças não jogam bola. No entanto, basta pegar uma rua lateral. Em Khiva, ainda não fizeram (e me aliviei em nem ver sinais de que se planeje fazer), como em Samarkand, um portão separando a área turística da área onde moram as pessoas, que olham curiosas da porta de suas casas quando algum forasteiro perambula fora do espaço esperado. Os moradores nesses casos às vezes nem conseguem controlar a tentação de dizer aos visitantes "você tem que ir para lá, lá é onde estão os monumentos!".
Preferi admirar o imenso minarete Kalta Minor à distância quando ele apareceu no meu campo de visão ao levantar o olhar procurando a bola que bateu na cabeça do moleque e subiu.
Estava em um bom mirante. Procurando um lugar para jantar, no limite entre a área turística e a bagunça adorável do setor vivo de Ichon-Qala, encontrei um restaurante. Subi em um terraço, e do terraço se vê o Kalta Minor, a muralha e o futebol que já estava acontecendo na praça ao lado quando cheguei. O sol ainda estava no céu, mas se despedindo. Tudo era dourado, depois tudo ficou vermelho, depois rosa, a luz se fez fugaz entre as pontas da muralha, se refletindo e se misturando ao azul dos azulejos do minarete. A algazarra da criançada jogando era a única trilha sonora.
Uma repentina sensação de existência humana que continua, que se reinventa e prossegue.
* * *
A viagem de 2003 está constantemente em minha cabeça e mais uma vez ressurgiu, vívida, quanto nesta tarde deixei Bukhara para trás a caminho de Khiva. Há 15 anos, visitei o deserto entre os dois oásis de madrugada e no sentido contrário, saindo de Urgench, ao lado de Khiva. Foi uma experiência verdadeiramente apavorante. O motorista parecia cansado, na estrada não havia iluminação e o asfalto estava mal conservado, uma tempestade se aproximava com raios e trovões. E o carro quebrou no meio do nada. Desta vez, para evitar encrencas, decidi fazer a jornada de Bukhara a Khiva durante o dia, com um motorista de táxi compartilhado bem descansado. Ele ficou feliz de me vez e nem se importou em negociar o preço. Comentou que, em breve, não esperava fazer mais regularmente a viagem para o oeste levando visitantes, como há anos fazia. O governo estava terminando a implantação do trem para turistas. Com a inauguração, será possível ir de trem de Tashkent até Khiva, como já se pode ir para Samarkand e Bukhara. Cada vez mais o Uzbequistão se torna um destino mais confortável para qualquer um que se atreva a conhecê-lo, o que tem lados negativos e positivos (sendo esse, do trem, muito positivo no meu entender). Senti uma autonostalgia da aventura arrepiante de 2003. Agora seria, provavelmente, minha última vez enfrentando a estrada entre Bukhara e Khiva.
Se a jornada de dia tinha boa visibilidade, tinha também, por outro lado, o calor horroroso do deserto. Se o asfalto fora arrumado e a estrada estava boa, havia o problema da tentação da velocidade excessiva em uma pista única para veículos nos dois sentidos. Comigo no carro estavam um casal de turistas australianos de meia-idade e uma moça praticamente muda, muito jovem, com aparência russa. O homem do casal de australianos ia na frente, sentado ao lado do motorista. Estava quieto, sossegado. A mulher dele, ao meu lado, no centro dos bancos de trás, estava permanentemente tensa, olhando para o velocímetro. Estava tentando se controlar, mas lá pelo centésimo quilômetro cortou com sua voz o barulho do vento entrando pela janela. "Estou vendo daqui, 120 km/h!", disse ela em inglês. O marido virou o rosto, olhou para trás, fez uma cara de quem estava sendo incomodado com tolices e voltou a seu estado semivegetativo. A moça que parecia russa não falou nada e não esboçou qualquer reação. Provavelmente nem sabia inglês.
Nisso, o motorista, após uma curva, ultrapassou sem pestanejar uma pequena van, enquanto que, não muito distante, vinha um ônibus no sentido oposto. Exímio piloto, terminou a ultrapassagem com precisão. Uns segundos e estaríamos mortos na colisão frontal com o coletivo. Foi de fato bem arriscado. "120 km/h. E vai na contramão!" esperneou a senhora com um tom de imensa incredulidade, com o coração saindo pela boca. O marido estava dormindo.
Eis que, então, o motorista, que continuava completamente alheio ao casal e a mim, tirou do bolso o celular. Teclou um número e começou a falar com alguém. E ficou contrariado com esse alguém, passou a falar alto, mexendo a cabeça, gritando, depois voltando a falar em tom normal, e depois gritando de novo. Foi falando, uma longa conversa. Uma mão no volante, outra, segurando o aparelho. De fato, era um piloto muito habilidoso. "120 km/h, vai na contramão... E FICA FALANDO NO CELULAR!", enlouqueceu a senhora, olhando agora para mim, como se pedindo que eu fizesse algo.
Sim, respondi. Isso era muito ruim, disse, quase tão ruim quanto o calor horroroso. Eu estava, aliás, completamente encharcado (de novo, como de costume nesta viagem, difícil me acostumar). "Por que ele não fecha a janela e coloca o ar condicionado?", questionou a mulher. Sim, o carro tinha ar condicionado, dava para ver no painel. Disse a ela que iria pedir ao motorista que pelo menos nos concedesse essa graça.
Porém, antes que eu pudesse pedir, o piloto, que finalmente havia desligado o celular, tirou do bolso da camisa um maço de cigarros, acendeu um, deu uma longa tragada e bufou a fumaça pela janela. Um pouco do cheiro azedo do tabaco chegou ao nariz da mulher. "Agora sabemos por que não coloca o ar condicionado, ele tem que deixar a janela aberta ou nós morremos asfixiados..."
A viagem foi longa, umas cinco horas. E nessa odisseia chegou um momento de tudo ao mesmo tempo: cigarro, celular com gritaria, 120 km/h, ultrapassagem pela contramão com ônibus vindo no sentido contrário. A mulher, coitada, já estava com os olhos fechados há um bom tempo, tentando se transportar para uma praia no Caribe. E eu, bem, só sorria e lembrava da noite em 2003. Ah! Aquela vez foi bem pior!
Nos momentos tranquilos, com todos em silêncio, eu mergulhava em divagações mais profundas sobre o passado, o presente e o futuro.
Em um desses momentos, vi caminhões estacionados e operários trabalhando, e em alguns trechos a estrada já estava duplicada. É questão de tempo até que as novas pistas estejam totalmente prontas. Não é só uma nova linha de trem que estão fazendo para unir Khiva ao resto do país. O boom de construção e reconstrução é um dos elementos que define o Uzbequistão atual, em sua busca da modernidade.
Outro elemento é a influência da China — frequentemente por trás também desse boom.
Os chineses, como os americanos e os russos, são os principais jogadores de um novo Grande Jogo, que tem semelhanças e muitas diferenças com o Grande Jogo original, a disputa geopolítica entre os impérios britânico e russo na segunda metade do século XIX pelo controle desta região. Se naquela época a sombra do colonialismo (britânico e russo) ditava o destino dos povos da região, hoje a dinâmica é diferente. Rússia, China e Estados Unidos buscam impor seu interesses oferecendo incentivos diferentes aos cinco países da região. O que ficou mais claro, desde as independências em 1991, é que esses países (ou, mais precisamente, suas elites políticas) têm, com uma incrível habilidade, sido capazes de jogar com esses interesses das grandes potências em benefício próprio. Isso foi ressaltado, por exemplo, durante a invasão americana do Afeganistão em 2001; o Uzbequistão e o Quirguistão ofereceram bases aéreas para uso dos militares a caminho do território controlado pelo Talebã, mas, com o tempo, o Uzbequistão, contrariado com as cobranças americanas em relação aos direitos humanos, e o Quirguistão, tentado pelo dinheiro oferecido pelos russos para que os EUA fossem colocados de lado, acabaram afastando os americanos de suas instalações aéreas. Grosso modo, os países centro-asiáticos, sabendo dos interesses das potências, jogam com esses interesses para obter o máximo ganho possível de quem quer que seja, algo que estava ausente na época do Grande Jogo original, quando eles eram um mero tabuleiro.
Mas a China é um jogador que tem se destacado desproporcionalmente nos últimos anos; enquanto os Estados Unidos desviaram seu foco para o interior de suas próprias fronteiras e a Rússia progressivamente enfrentou problemas econômicos e isolamento do Ocidente, a China têm prosperado economicamente e impõe suas vontades de uma forma muito mais discreta. A Ásia Central é foco de sua grande iniciativa chamada Nova Rota da Seda (Ou "Um Cinturão, Uma Rota" ou ainda "Iniciativa do Cinturão e Rota"), que pretende criar corredores para seus produtos chegarem mais rapidamente aos principais mercados consumidores do Ocidente. Como parte dessa visão, Pequim investe em imensos projetos de infraestrutura nesses países, o que por sua vez prende esses países aos chineses com dívidas cujo montante nem sequer é divulgado com transparência. Além disso, a China, interessada na estabilidade de suas fronteiras, preocupada com a possibilidade do extremismo em sua província mais a oeste (Xinjiang, que faz fronteira com Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão), procura apoiar a estabilidade de regimes centro-asiáticos, decisivamente sem a preocupação em fomentar a democracia. Assim, a China é hoje um elemento importante no "congelamento" dos regimes, na continuidade das velhas elites políticas no poder dos países centro-asiáticos. Traz investimento, faz obras por todos os lados, empresta dinheiro e apoio a essas elites e em troca espera apoio geopolítico também, fortalecendo assim uma dependência cada vez mais clara.
O deserto passa pela janela do carro.
Ao sair de Bukhara, a mudança de cenário foi progressiva à medida que o carro se distanciava do vale do rio Zerafshan e se aproximava do mundo dominado pelo moribundo Mar de Aral. Primeiro, as plantações de algodão; depois, o deserto ocre, com arbustos, como os que vi ao redor de Nurata. Depois, finalmente, a explicação para o nome do deserto do Kyzylkum ("areias vermelhas"). A secura aparece aqui e ali em montes de solo fofo e avermelhado, entremeados por trechos planos onde persiste o mato rude, seco, espinhoso. A transição que ficou escondida na noite em 2003 se mostrou para mim claramente agora.
E de repente surgiu o poderoso Amu Darya, novamente o rio que encontrei há alguns dias em Termez. Aqui é igualmente amplo, mas raso; foi perdendo força e perderá ainda mais até o cemitério do Aral. Do outro lado do rio, lá longe, o Turcomenistão, que me atrai com um fortíssimo magnetismo. Onde estarei em breve. O último dos territórios da ex-URSS na Ásia Central onde jamais estive.
Chegamos a Urgench às 14h. É a maior cidade perto de Khiva e é quase certeza que qualquer ônibus ou táxi rumo a Ichon-Qala vindo de qualquer outro ponto no Uzbequistão passe por ela. Foi daqui que saiu o taxista de noite rumo a Bukhara em 2003, mas eu não reconheci absolutamente nada da cidade. O combinado com o taxista era que ele me deixaria em Urgench por 100 mil sums (aproximadamente US$ 10) enquanto que ele seguiria com os turistas australianos até Khiva por mais 20 mil sums. Cobrar 20 mil sums pela curta corrida de Urgench a Khiva me pareceu um abuso, visto que as cidades são bem próximas e bem conectadas. Eu tinha certeza de que conseguiria um ônibus ou táxi por bem menos que 20 mil para chegar a Khiva. Na negociação em Bukhara, o motorista pareceu um pouco contrariado comigo por eu ter me recusado a seguir juntamente com os australianos até Khiva, mas, após insistir um pouco, cedeu. Ao chegarmos em Urgench, ele parou o carro ao lado de uma grande avenida, em um estacionamento a céu aberto onde estavam outros taxistas e uns poucos clientes, e foi conversar com seus colegas de volante. O deixei à vontade, pois acreditei que, claro, ele viria falar comigo depois para acertarmos a conta da corrida.
Eu estava perdido. Não vi ao redor nenhuma placa de localização e não tinha comigo um mapa de Urgench. Enquanto tirava a mochila do bagageiro do carro, decidi pedir informações para a passageira com aparência russa do meu táxi, que estava de pé ao meu lado e iria também ficar em Urgench. Não, não era muda, e sim, não entendia uma palavra de inglês. Era na verdade búlgara de origem, mas havia casado com um homem que morava agora em Urgench. Ela estava esperando ele vir buscá-la.
Que tristeza aquela moça me passou. Eu não lhe dei mais que 16 anos. Era magra, branca, cabelos escuros, olhos arregalados, um jeito de cansada, com os ombros caídos, leves olheiras. Lenço violeta e branco na cabeça, vestido longo azul e preto, uma estrangeira assimilada pelo Uzbequistão. Falava bem baixo. Me compartilhou um pouco de sua odisseia da Bulgária para a Ásia Central, a sua vida resignada de servente de marido, sua nada empolgante espera para rever o seu senhor. Disse que não conhecia bem a cidade, para onde o marido havia se mudado recentemente, então não poderia me ajudar. Eu precisava saber onde pegar transporte para Khiva.
Nessa altura, estávamos numa sombra não longe do táxi que nos trouxe, lá fomos nos abrigar do sol forte. Deixei a mochila aos meus pés.
Completamente de surpresa, vejo o motorista entrar no táxi que nos trouxe e, sem sequer olhar na minha direção, sair dirigindo com os australianos. Pensei: deve estar indo estacionar o carro em uma sombra, pois os australianos estavam morrendo de calor lá dentro. Estava tão tranquilo e sem pressa que decidi que iria procurá-lo, se ele não me procurasse antes, só depois. Passaram-se cinco minutos e o marido da búlgara chegou freando seu carro com barulho à minha frente. Desceu do veículo e sem nenhum sorriso nem saudação endereçada a ela ou muito menos a mim, pegou a mala da moça, colocou no bagageiro, empurrou-a para dentro e entrou de novo no carro. Me despedi da pobrezinha, lhe desejei sorte. Ela acenou para mim.
Coloquei minha mochila nas costas e fui finalmente pela avenida procurar pelo taxista. Dobrando uma esquina, vi, bem perto, parado no meio-fio, embaixo do frescor de uma árvore, um carro idêntico ao táxi que eu procurava. Fui em direção a ele. Era outro carro.
O taxista havia desaparecido. Procurei ao redor, por toda parte. Voltei ao estacionamento. Nada. O sujeito pode ter sido um piloto suicida na estrada, um companheiro de estrada não muito agradável por seus cigarros e conversas gritadas no celular. Mas havia feito seu trabalho e me tratado bem. E eu não pagar pela viagem de cinco horas me pareceu muito injusto. Fiquei primeiro com raiva do motorista, depois triste por ele, depois tentei refletir racionalmente sobre o que poderia ter acontecido: E se eu entendi algo errado, que ele voltaria após meia hora para coletar meu pagamento? Não, não. Revisei com calma meu curto diálogo com ele em Bukhara. Só falamos sobre preço, sobre me levar a Khiva ou não. Nada de esperar meia hora. Mas, ainda assim, tirei a mochila e esperei. Mais meia hora. Os outros taxistas que lá estavam sumiram também, fiquei sozinho, engolido pelo ar fervente da tarde. E nada dele aparecer.
Estava me sentido um ovo cozido naquele sol. Paciência esgotada, coloquei de novo a mochila e simplesmente fui embora.
E veio o último sentimento: medo. O sujeito agora iria atrás de mim em Khiva, pensei. Iria me culpar, me dizer que eu o roubei, que eu não quis pagar pelo seu trabalho e esforço, que eu era um espertinho e um caloteiro desprezível, quem sabe iria insistir que eu paguasse muito mais do que o combinado. Iria me encurralar em um canto escuro de Ichon-Qala e enfiar um soco inglês em meu rosto acompanhado de dois brutamontes que odeiam estrangeiros para lhe dar apoio moral.
Despistei o medo. Me convenci que não havia o que fazer, que o motorista apenas e simplesmente havia esquecido de me cobrar. Coloquei a mão no bolso da calça, o dinheiro culpado estava lá, contado cédula a cédula, preparado para se separar de mim.
Cheguei em meia hora a Ichon-Qala (por 4 mil sums, que paguei por um táxi e uma lotação). Os cifrões que não eram meus pagaram o jantar maravilhoso no pôr-do-sol ao lado dos moleques jogando bola. Fiz um brinde ao motorista, desejando-lhe boa sorte e muito, muito dinheiro no futuro.
Khiva, 19/8, 16h05
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Novas Fronteiras é um diário de uma viagem feita em 2018 a três países da antiga URSS na Ásia Central — Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão. Novos capítulos são publicados neste blog uma vez por semana, aos domingos, e seguem ordem cronológica. Novas Fronteiras é parte de um projeto maior que inclui outros diários de viagem pela Ásia Central publicados neste blog pelo autor, que tem viajado regularmente à região desde 2001. O objetivo do projeto é apresentar um panorama detalhado e em profundidade das sociedades dos países da antiga URSS na Ásia Central, em um processo de busca e exploração em que o autor executa uma viagem simultânea, de autodescoberta e entendimento do universo centro-asiático como espelho de sua própria existência.
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