Wednesday 31 January 2018

Nos Desertos, nas Montanhas (XXVII): Dushanbe

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21/9/2012

No caminho de Istaravshan para Dushanbe atravesso pela primeira vez as famosas montanhas tajiques.

O carro leva eu, dois senhores de uns 60 anos, um deles com o típico chapéu preto com bordados brancos, uzbeque-tajique, e uma mulher com um bebezinho de uns seis meses. Mal embarco, com a brisa fria das seis da manhã, desmaio, pegando num sono intenso. Apesar de ter ficado 10h na cama, descobri só indo dormir que o colchão da que escolhi, como o da outra cama do quarto, estava deformado. No meu caso, torto para a direita. A noite inteira lutei para não cair no vão da direita entre a cama e a parede com a tinta descascando. Ainda assim, passei a noite suspirando de alívio, lembrando das noites que passei em outros hotéis desde que cheguei ao Tajiquistão. Também parece que estou um pouco melhor da gripe. De manhã, minha urina ainda estava escura, mas acho que meu fígado deve estar vencendo o que quer que seja eu comi de venenoso para ele. Minha garganta ainda está me matando. Por outro lado, pelo menos eu não tenho mais febre.

Quando acordo, estou numa região de picos altos, estrada por asfaltar e muita, muita poeira. As montanhas, como sempre, completamente nuas. Pedra pura. O carrinho Lada, valente, sobe pela estrada sinuosa entre os paredões de pedra. Curva após curva, vence os buracos e ultrapassa uma dezena ou mais de caminhões com placas... da China, o que me deixa bastante curioso.

Poeira, poeira cinza, cascalho espirrando e batendo na lataria. As janelas do carro estão bem fechadas, mas, apesar do Sol glorioso lá fora, nem penso em tirar meu casaco de lã. Ainda está frio. E o ar é sequíssimo. De vez em quando, minha tosse vem como um dragão, expelindo como fogo essa secura de meus pulmões.

O carro sobe, sobe, sobe. Devagar, encontrando seu caminho no universo sufocante de pó de terra. Segue até um ponto em que os cumes dos colossos de rocha calcária ao nosso redor parecem estar na mesma altura que as rodas do pequeno Lada. Uma ou outra montanha no meu campo visual ainda tem neve do inverno passado. Vejo então uma placa ao lado da estrada: estou no passo Shakhristan, a 3.378 metros, o meu novo recorde pessoal de altitude.

Depois o carro começa a descer, descer, descer. Avisto um vale profundo no caminho ziguezagueante. O motorista vai milimetricamente escapando dos precipícios. Lá embaixo, encontramos a razão de tantos caminhões chineses. A China está construindo um túnel que vai permitir aos motoristas evitar essa maravilhosa aventura do passo Shakhristan. Maravilhosa, na verdade, para mim. Imagino o suplício que é para o motorista e para os passageiros que têm que regularmente enfrentar essa poeira e esse medo de alturas.

É interessante perceber a presença chinesa na Ásia Central por meio de grandes projetos de infraestrutura como este, enquanto que os russos, referência desde os tempos dos czares, parecem não estar envolvidos nesse tipo de iniciativa na região. O que leva à reflexão de como Rússia e China estão travando um "novo Grande Jogo" - uma "disputa" pela supremacia política e econômica na Ásia Central.

Essa é provavelmente a grande discussão no campo da geopolítica quando se analisa, atualmente, os países da Ásia Central. Inúmeros acadêmicos já dedicaram seus anos de mestrado e doutorado em entender se as duas potências - que a primeira vista mantêm relações cordiais e cooperativas em oposição aos interesses de potencias ocidentais na Ásia - estão na verdade travando um conflito velado nos cinco países da ex-União Soviética no coração do continente. Uma análise superficial indica que não. Na verdade, o que transparece é que China e Rússia agem de forma coordenada e não antagônica, defendendo seus interesses, e que não haverá tensão enquanto esses interesses não se chocarem.

Para a China, o mais importante tem sido o desenvolvimento econômico. Trazer suas mercadorias para os mercados europeus com mais velocidade beneficia o país. Ao mesmo tempo, desenvolver economicamente seus vizinhos do oeste tem importância porque uma das grandes preocupações em Pequim é a animosidade em sua região mais ocidental, Xinjiang, historicamente mais ligada ao Turquestão russo do que ao resto da China. É lá que sobrevive, nas sombras, um movimento que aspira criar um estado independente para o povo uigur, que habita a região há séculos, é muçulmano e fala uma língua parecida com o uzbeque. Manter a China unificada é um dos grandes vetores da política externa chinesa (afetado temas como Taiwan e Tibete também). Dessa forma, o governo de Pequim tem procurado desenvolver Xinjiang, e trazer mais prosperidade e riqueza aos vizinhos da província é parte da equação para tentar diminuir a força dos separatistas. A lógica é que a prosperidade pode dissuadir a violência. Além disso, a China quer contar com os países vizinhos para caçar os extremistas que venham a montar bases além da fronteira. Tirando isso, porém, as ambições chinesas de influência política na Ásia Central (na figura clássica de "zonas de influência", adotando modelos institucionais e de desenvolvimento político ditados por Pequim) parecem não existir. Isso é consistente com o outro grande vetor da política externa chinesa, a não-interferência em assuntos internos de outros países.

Para a Rússia, porém, um tema importante é justamente esse. Nos últimos anos, tanto o presidente Vladimir Putin quanto seu antecessor, Dmitry Medveded, indicaram em declarações públicas que um dos vetores da Federação Russa nas relações externas seria manter suas "esferas de influência privilegiada" no exterior, além de defender os interesses das comunidades russas vivendo nessas esferas. A Rússia persegue o alinhamento dos países nessas esferas, quer que eles sejam aliados fieis em quaisquer temas que surjam na arena internacional. Em contrapartida, a Rússia oferece incentivos econômicos diferentes dos que a China oferece. O grande projeto russo na Ásia Central é a criação da "União Econômica Euroasiática", uma organização que ambiciona ser semelhante à União Europeia, com uma união alfandegária. Mas há outras regalias à vista: por causa do passado soviético, a Rússia ainda é um imã para imigrantes econômicos de todos os países da região - muitos ainda falam russo. Milhares de centro-asiáticos ainda se mudam todos os anos para a Rússia para tentar a vida, e isso empresta a Moscou um grande poder sobre esses países. As remessas anuais dos imigrantes são, no caso do Tajiquistão, provavelmente a maior fonte de divisas do país. Moscou pode sempre impor restrições a esses imigrantes para submeter os países da região a seus interesses.

Assim, é claro que China e Rússia têm interesses diferentes, mas que não se chocam na região. Entretanto, isso pode mudar. Enquanto que o projeto da China é basicamente fundamentado na economia globalizada - grandes rotas comerciais, integração com o mundo Ocidental - no caso da Rússia a União Euroasiática é um projeto que tende a fomentar o desenvolvimento econômico apenas entre os próprios membros. Enquanto que Moscou busca um modelo em que se coloca como o centro e referência para instituições, a China foca no econômico, mas nada impede que no futuro venha a mudar isso. Mas é improvável nesse momento.

Comendo pelas bordas, outros povos também ambicionam, em menor escala, abocanhar um pouco de influência e apoio geopolítico na Ásia Central. É o caso dos iranianos, irmãos de língua e de história dos tajiques, que usam uma estratégia de investimento em infraestrutura, como os chineses, para ampliar seu soft power. Isso ficou claro a seguir na minha viagem.

Enquanto estou vendo pela minha janela os chineses (homens de capacete de operário, muito sérios e compenetrados, estudando rolos de papel), eu volto a cair no sono. Quando acordo, sei lá quanto tempo depois, estou ainda nas montanhas. Desta vez, elas não são totalmente peladas, há algumas árvores, e a altitude parece ser bem menor. Aqui entramos em um túnel construído por iranianos. Em teoria, me dizem, está terminado. Não parece. É assustador - longo, com muitos trechos sem nenhuma iluminação, buracos dolorosos no pavimento, cheios de água, com diâmetro e profundidade para destruir qualquer suspensão de carro e as costas dos passageiros. Enfrentá-lo durou uns longos cinco ou dez minutos e foi um verdadeiro rali. Fico pensando se os iranianos não esqueceram de alguma coisa na hora do projeto. Uma porcaria. Se alguém precisar parar por um problema mecânico no meio deste túnel, está completamente perdido. Se isso é de fato uma tentativa dos iranianos de seduzir os tajiques, não sei até que ponto pode ser bem-sucedida. Com um túnel desses, quem sabe tivesse sido melhor manter a estrada anterior, por cima...

Após o sofrimento, o Lada segue paralelo a um lindo rio que surge, o Varzob. Inúmeras mansões no vale, algumas até com piscina. Ao redor, as montanhas, as lindas árvores. O rio vai cheio de corredeiras, fazendo bolhas e espuma branca, molduras para a água verde.

E então, Dushanbe chega de surpresa. Uma avenida, paramos e somos descarregados pelo motorista ao lado de um mercado.

Com mapa e bússola, demoro pouco para encontrar o hotel. Quando eu entro nele, percebo que estou em um albergue de mochileiros. Viajantes como eu, europeus, americanos e asiáticos, falando idiomas familiares. Internet de graça, banheiros limpos e novos. Camas inteiras e colchões sem deformidades, ambientes luminosos, sem poeira ou buracos nas paredes, sorrisos, nenhum móvel decrépito da era soviética, mapas em quadros na recepção, folhetos em inglês.

Conforto de verdade, no estilo dos albergues europeus. Nossa. Parece que faz tanto tempo.


* * *

Como é cedo, o tempo está ótimo, estou me sentindo bem e meu entusiasmo foi renovado pelo hotel, depois do check-in vou para o museu mais importante de Dushanbe, o Museu Nacional de Antiguidades. Achei interessante saber mais, logo de cara, sobre a história milenar deste lugar. Logo descubro que estou ao lado de uma das principais avenidas da cidade, a Rudaki, que conduz diretamente ao museu. Desço ela a pé, com prazer, passando perto do nababesco palácio presidencial, que prometo ver direito amanhã.

É um pouco longe. Quando chego finalmente ao museu, antes de mais nada vou ao banheiro. Apesar de eu sentir muita vontade de urinar, o que vejo sair de mim são poucas gotas. Desta vez, bem vermelhas.

Entro em parafuso. Piro. Me sinto bem, sem dores. Minha garganta continua ruim. Mas sangue na urina não é sintoma de algo que me atacou o fígado nem de uma gripe. Jamais tive isso. Que diabos está acontecendo comigo? O que pode acontecer comigo? O que me passa pela cabeça: estou absolutamente sozinho. Não falo a língua daqui. Não tenho nenhum consulado por perto, nem embaixada. Não conheço a cidade. Estou muito, muito assustado. Fechos os olhos e só vejo o sangue saindo de mim.

Saio imediatamente do museu. Me enfio num internet-café, o primeiro que encontro. Escrevo um email para minha embaixada mais próxima - é a milhares de quilômetros daqui, em Astana, capital do Cazaquistão. Recebo uma resposta imediata de alguém, para meu alívio. A funcionária me acalma e diz que vai me mandar a sugestão de uma clínica para que eu possa visitar, uma clínica onde se fale inglês.

E manda. Vou direto para lá. Marco uma consulta para amanhã de manhã. Não pode ser nada grave, repito comigo mesmo. Não pode ser, pois estou bem, aliás estou louco para ver Dushanbe direito. Contudo, minha cabeça está criando todo tipo de cenário.

Volto rapidamente ao hotel, para beber muita água, me aquecer. E torcer para que minha urina não seja o que irá me impedir de realizar meu sonho de chegar ao Planalto de Pamir.

Dushanbe, 21/9, 21h

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Sunday 28 January 2018

Nos Desertos, nas Montanhas (XXVI): Istaravshan

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20/9/2012

Estou pior. Levanto com a garganta doendo, zonzo, sentindo o que não é mais um "talvez resfriado", mas um "com certeza é gripe". Felizmente, o dia deve ser leve. Pelo menos é o que espero.

No mercado de Khojand, chamado de Panjshambe, ou "quinta-feira", me despeço da cidade. As vendedoras de tomate - imensas, intimidadoras, com braços fortes, grossas sobrancelhas - tentam se esquivar dos cliques da minha câmera sob o arco coloridos de um pórtico, em uma das saídas do mercado. São mulheres castigadas pelo trabalho pesado, mas que viram meninas na brincadeira de esconde-esconde com o fotógrafo estrangeiro. Insisto, e em determinado momento elas cedem, fingem que não enxergam que as estou clicando. No teto, os detalhes decorativos do teto que cobre milhares e milhares de pessoas passando com sacolas pesadas todos os dias. Pessoas que talvez nunca tenham percebido nem percebam os detalhes. Eles ficam documentados no meu celular. Lindas cores, lindas pessoas, doces cheiros de frutas, de flores.

Khojand fica para trás. Sigo viagem novamente a bordo de um táxi compartilhado com desconhecidos, um carro pequeno, velho, mas valente. Istaravshan vem a seguir em cerca de uma hora de estrada. Mais perto de Dushanbe, mas a ainda oito horas da capital tajique.

Istaravshan. Mais uma cidade evocativa dos sonhos deste mundo oculto chamado Ásia Central. Um nome que ecoa e repete na minha cabeça. Outra parada da minha rota da seda pessoal, uma rota da seda que bebe na fonte do caminho imortalizado por Marco Polo, mas que é recriada pela minha própria fantasia. Na minha cabeça, lá estão cidades lendárias, com nomes exóticos, que um dia li em algum livro que nem sei mais quais foi e desde então me desafiei a conhecer. Samarkand, Bukhara, Isfahan, Merv, Tashkurgan... Istaravshan. Uma a menos nessa longa jornada que sabe-se lá quando vou terminar. Uma pena chegar aqui neste estado - tosse, dor de cabeça, rouquidão e o cansaço agravado pela noite aterrorizante.

Em Istaravshan, sem o apoio de nenhum mapa no meu guia (como em Isfara), logo desisto de encontrar a primeira acomodação recomendada pelo livro - impossível achá-la, ninguém aqui parece ter ouvido falar dela, ou simplesmente não entendem meu russo. Fiquei aliviado, na verdade, porque não achar essa acomodação mais barata me fez aceitar sem titubear a acomodação que meu guia dizia ser a "melhor" da cidade. Já imaginava que fosse cara e fresca.

Me enganei bastante. Por apenas 50 somanis (cerca de US$ 6), me deram um quarto com duas camas velhas, paredes com tinta descascando e caindo no chão, carpete gasto e sujo e uma TV coberta de pó (mas funcionando bem). O lado positivo era o colchão, bem confortável (em apenas uma das camas, na outra, estava deformado). Pedi um lençol extra e claramente toda a roupa de cama estava bem limpa. Pontos muito positivos e muito negativos. Bom, é "o melhor" hotel da cidade.

Fiz o check-in no meio da tarde e, depois de me livrar da mochila, saí para explorar o que conseguisse da cidade. A gripe estava afetando demais minha energia - lutava a cada metro para andar, com o Sol da tarde no rosto me incomodando demais. Entretanto, o pior mesmo foram os efeitos da doença sobre meu senso de direção. Demorei demais para me encontrar em Istaravshan e descobrir onde ficavam os pontos turísticos. Andei em uma direção errada por muito tempo até ter ânimo de perguntar a um local para onde eu estava indo e descobrir que eu deveria ir na direção oposta. Quase uma hora de vaivém até achar uma colina. Com um castelo ou forte no alto. A mais ou menos um quilômetro à frente. Finalmente, a referência para eu não me perder mais.

Tratava-se do monte chamado Mug Tepe. Pelo que dizem os historiadores, meus passos novamente seguiam, como em Khojand, os de Alexandre, o Grande. Aqui, em 329 a.C., o macedônico teria vencido a resistência de um forte do povo nativo, os sogdianos, em mais uma etapa da sua conquista da região. Foi um episódio conhecido nas narrativas como Cerco de Ciropol - e é um bom exemplo da genialidade militar de Alexandre.

Como Khojand, Istaravshan foi conhecida durante os séculos por diversos nomes. Os russos a chamavam de Ura-Tube, os uzbeques, Uroteppa, enquanto que Istaravshan é o nome de origem persa. O nome grego, porém, é Ciropol, cidade de Ciro (598-530 a.C.), o imperador do império persa aquemênida que teria fundado a cidade. Há controvérsias, porém, sobre se de fato Istaravshan foi a lendária cidade fundada por Ciro. Alguns cientistas acreditam que Ciropol ficava na verdade onde hoje é Khojand e que Alexandre refundou a cidade, chamando-a de Alexandria Eschate. O que é fato é que a região de Istaravshan é uma das há mais tempo habitadas na região. Por perto, há muitos vestígios dos sogdianos, uma civilização antiquíssima, que persas e gregos tiveram dificuldade em manter sob sua batuta. Isso tudo séculos antes de Tamerlão, Genghis Khan, Ismail Somoni, Maomé e Cristo.

Em 329 a.C., Alexandre avançava em direção ao rio Syr Darya vindo de Zariaspa, atualmente a cidade afegã de Balkh, então um centro importantíssimo às margens do rio Oxus (rio Amu Darya, na fronteira entre Afeganistão e Uzbequistão). Ele subjugava os territórios pelo caminho, mas, nesse processo, enfrentou uma revolta em sete cidades sogdianas. Ciropol era a maior e a mais complicada de se conquistar, pois estava fortificada por um muro maior do que das outras. Em vista disso, Alexandre ordenou que seu general Crateus fosse para a cidade com um grupo de soldados e estabelecesse um acampamento do lado de fora da fortificação, cavasse uma trincheira ao redor do acampamento e reunisse o máximo de armas de cerco que pudesse. O objetivo era que os moradores de Ciropol focassem suas atenções neles e assim não enviassem reforços para ajudar as outras seis cidades em revolta. Enquanto isso, Alexandre as conquistaria.

Quando finalmente Alexandre chegou a Ciropol, analisou o cenário e teve uma ideia, descrita por Arriano:

Alexandre trouxe suas armas de cerco para perto do muro com o objetivo de vencê-lo dessa forma, e realizar ataques (com soldados) em quaisquer brechas que surgissem. Ele observou que o canal do rio que corre através da cidade quando alimentado pelas chuvas no inverno estava naquele momento seco e não era bloqueado pela muralha, permitindo aos seus soldados uma passagem para penetrar na cidade; ele convocou seus guarda-costas, os guardas com escudos, os arqueiros (...) e entrou na cidade secretamente pelo canal, primeiramente com poucos homens, enquanto os bárbaros voltavam sua atenção para as armas de cerco e aqueles que os estivessem atacando naquele local (onde estavam as armas). Tendo conseguido abrir por dentro o portão próximo a este local, ele permitiu o acesso facilmente ao resto de seus soldados.
- Arriano, The Campaigns of Alexander

Arriano diz que a defesa sogdiana consistia em 15 mil homens, sendo que 8 mil deles teriam morrido no cerco e o restante, se rendido. Por outro lado, 10 mil soldados teriam tomado parte na batalha do lado de Alexandre, com um número incerto de mortes (certamente, bem menos que o de sogdianos que perderam a vida).

No alto do Mug Tepe, agora vejo bem. Não é um castelo nem um forte que foi erguido lá em cima, é um portal. Arrasto-me para o alto em um caminho de terra, empoeirado, mas bem marcado, em um terreno sem árvores. O portal, com uma cúpula, é bem recente, nada dos tempos de Alexandre. Foi erguido em 2003 para as celebrações dos nada menos que 2500 anos de Istaravshan - claro, uma data simbólica, já ninguém sabe ao certo quando a cidade foi fundada. Atrás do portal, há um terreno aberto, sem nenhuma árvore. Lá encontrei moradores locais - uma vaca, um cão, algumas ovelhas. E alguns fantasmas: montes de terra pelada, formas sugestivas de algo há muito em ruínas. Curvas e poços de argila, borrões de história. Eis o que um dia foi a fortaleza que ousou resistir a Alexandre. Para uma edificação abandonada a mais de dois milênios, nada mal. Explorando, encontrei o que parecia ser o portão da fortificação, uma sala com janelas e muralhas grossas e virtualmente impossíveis de derrubar. Por um momento, esqueço a febre e brinco, imagino homens com cavalos e espadas, falando grego, falando sogdiano, adubando a terra com sangue. Imagino grandes projéteis sendo arremessados para cá de lá de baixo, na cidade. A cidade docemente iluminada pelo sol das seis e meia da tarde, tornando as sombras mais longas e intensificando o imaginário, criando personagens fugidios, presos em segundos de luz.


* * *

A cidade lá embaixo, hoje com seus 60 mil habitantes. Daqui, se vê o bairro mais antigo, ruazinhas com casinhas de barro antigas e sarjetas levando esgoto. Perdida lá no meio, a um quilômetro pelo menos, uma linda cúpula azul timurida. Um magneto para mim, desço o morro, vou em direção a ela. Entro no bairro, em meio às casas coladas umas nas outras, seguindo ruelas estreitas, encontrando olhares de estranhamento.

Encontro uma mesquita com um delicado teto colorido, finamente trabalhado, geometrias ricas, joias no meio da pobreza. As crianças, dezenas, brincando na rua, gritando, correndo, sorrindo. A cúpula azul fica mais um pouco além.

Chego. Já está fechada. Mas é linda. É uma madrassa do século XV chamada Abdullatif Sultan, ainda ativa, recebendo estudantes que querem seguir a vida como imãs. Me frustro por não poder conhecer seu interior, mas não totalmente. Do lado de fora da cúpula azul, sentados, encontro um grupo de senhores. Professores da madrassa? Simples amigos, moradores do bairro? A maioria com uns 60 anos, usando os sobretudos centro-asiáticos, os chapans, com os chapéus pretos com detalhes brancos, chapéus que lhes conferem uma imponência de conselho, de conselho da vila, de conselho dos anciãos. Um tesouro humano, tão valioso quanto um arquitetônico.

Há muitos tesouros em Istaravshan. Queria vê-los todos.

No lusco-fusco, na caminhada de volta ao hotel, reparo que, na avenida principal, quase em frente ao mercado, há algo realmente incomum, algo que nunca vi. Uma sequência de casinhas azuis, todas iguais, coladas uma ao lado da outra, todas claramente estabelecimentos comerciais. Cada uma delas tem um ferreiro. Eles fabricam latarias de todos os tipos. Há o especializado em ferraduras, em uma casinha; ao seu lado, o especializado em fazer facas.

Vejo o senhor das facas e cutelos - tem uma forja e uma bigorna. O vejo suando na escuridão, martelando com força incrível o metal em brasa que explode em mil estrelas. Novamente, uma imagem sugestiva, algo de um tempo distante, um fantasma a mais do passado. Imagine os exércitos sanguinários dos conquistadores chegando a Istaravshan, os guerreiros buscando novas espadas, seus cavalos majestosos necessitando de novas ferraduras.

Eu não aguento mais.

Chego ao hotel.

Suando na escuridão. Estou com um sono ruim, estou quase desmaiando, não é gostoso. Febre pra valer. Antes de dormir percebi que minha urina está escura. Devo ter comido algo que me atacou o fígado. Tomo meu último trimedal para a gripe e apago a luz do quarto às 19h30. Amanhã, de pé às 5h30, rumo a mais uma capital centro-asiática.

Dushanbe, 21/9, 19h50

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Wednesday 24 January 2018

Nos Desertos, nas Montanhas (XXV): Khojand

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19/9/2012

A história é escrita e reescrita.

Antigos heróis viram vilões, viram incômodos, viram sujeira para ser varrida para debaixo do tapete, para o meio de um parque abandonado, sem portões, cheio de lixo, praticamente um terreno baldio. Um parque cheio de mato com espinhos que eu tenho que atravessar. Tudo é meio seco, meus passos quebram os pequenos caules. A luz do Sol ainda é forte demais, apesar de ser fim de tarde, e por isso tenho que me mexer com os olhos quase fechados, evitando o clarão no meu rosto. Não há placas, indicações. Não vejo ninguém por perto. Este lugar que nem é descrito no meu guia.

Mas não tardo em ver o ex-herói. Seu imenso perfil à distância, cobrindo um pouco dos raios ofuscantes.

A poeira trazida pelo vento me faz fechar completamente os olhos por um instante, mas continuo andando. Quando os abro de novo, vejo com nitidez, à minha frente, as feições familiares: careca, bigode, expressão corporal de desafio, de lutador. Vinte e dois metros de altura, feita de metal claro, brilhante. Uma magnífica estátua de Lênin, sobrevivente em Khojand pouco mais de 20 anos após o fim do Comunismo.

Trata-se da maior estátua do líder soviético que ainda resiste nos países da ex-URSS na Ásia Central, tendo sido trazida de Moscou para cá em 1974. Tirando o fato de que foi isolada neste parque (colocada cuidadosamente de pé e não jogada de qualquer forma, o que certamente quer dizer algo), ela se mantém gloriosa como se tivesse sido inaugurada ontem, refletindo os raios de Sol, prateada e ofuscante. Seus traços são estilizados, linhas retas no rosto e no corpo, aquele eco de modernidade antiga, de vanguarda soviética hoje desacreditada, congelada no passado como uma promessa eterna.

Apesar de a estátua já existir há mais de vinte anos sem o zelo do PC, o triste destino do Lênin de Khojand é algo relativamente novo. De acordo com meu guia, publicado em 2010, a estátua naquela época não estava aqui, onde quase ninguém a encontra. Estava antes em cima de uma pequena colina, em um local nobre e grandioso perto do rio, e era visível de boa parte da cidade. Voltando do meu encontro com o camarada metálico em seu atual chiqueiro, passeio pelo seu antigo lar, que não fica muito longe do atual.

Em seu lugar, o presidente Emomali Rakhmon colocou uma outra estátua, igualmente colossal. É de Ismail Samani, o fundador da obscura dinastia persa que dominou a Ásia Central durante os séculos IX e X. Hoje, Samani, uma figura desconhecida para boa parte dos Ocidentais, é quiçá o símbolo maior deste jovem país, que fala uma variedade da língua falada no Irã e se orgulha de sua ancestralidade persa. Sobre os ombros desta figura resgatada das sombras dos séculos reside o sentido desta nação inteira. Reside uma explicação, uma raiz comum para o Tajiquistão. Uma tentativa de identidade. Como Tamerlão, no Uzbequistão, como Manas, no Quirguistão. A mesma estratégia.

Ao redor da gigante representação de Samani, um lindo conjunto de imagens. Escadarias com mosaicos, vários, cada um contando um momento da história do Tajiquistão. Vejo o mosaico que talvez seja o mais importante deles, o que diz mais sobre o país e a triste realidade dos vizinhos que se odeiam. Ele mostra o mausoléu de Samani, um prédio cúbico antigo, lindo, de tijolos desgastados pelo tempo e ar misterioso. O mausoléu do herói tajique, por ironia, está no Uzbequistão - em Bukhara, onde é apenas mais uma joia arquitetônica, onde é até esquecido, afastado da Labi-Haus, da Mir-i-Arab e da Ark. Fica em Bukhara porque esta era a capital de Samani. Assim, pelo que diz a história, Bukhara é muito mais persa do que Khojand, que por sua vez é um pedaço do uzbeque Vale de Fergana. Quanta criatividade, cruel, a dos cartógrafos soviéticos. Os tajiques, agora independentes, tendo que se contentar em ver seu monumento maior à distância, em outro país.

É triste, lamentável que estas duas nações, Uzbequistão e Tajiquistão, tenham sido separadas pelas fronteiras e pelas desavenças de seus líderes. Uzbeques e tajiques, em última análise, são os dois lados de uma mesma moeda. Estão por toda parte, misturados. Historiadores falam de uma relação simbiótica que se desenvolvem durante os séculos entre a população de origem persa - trazida para cá pelo império de Ciro e por Alexandre o Grande - e os povos turcos que viriam a seguir. Os turcos, guerreiros, nômades, livres; os persas, ocupando os oásis, ocupando-se do comércio e o artesanato em uma vida sedentária. Os tajiques são os descentes destes, os uzbeques, dos anteriores. Separá-los é tentar fazer uma cirurgia em que se espera separar o coração do corpo sem esperar que o coração pare de bater.

No museu de história local de Khojand, mais uma manifestação do apreço dos líderes da Ásia Central por reescrever o passado. Evidentemente, os heróis nacionais ganham imenso destaque - usando artifícios fantasiosos. Vejo um retrato colorido de Ismail Samani na parede. Lembro da estátua que vi em praça pública. De onde tiram tantos detalhes das feições de um sujeito que morreu há mais de mil anos, no ano 907? Me fez dar risadas o fato de que o domínio de toda a região por Tamerlão recebe tão pouco destaque no museu, passa tão rapidamente, como se não tivesse grande importância (historiadores ligados ao governo uzbeque certamente discordam disso). Também aparecem pouco no acervo permanente do museu objetos e relatos sobre a trágica guerra civil tajique, reduzida a uma ou duas fotos. Melhor esquecer o conflito?

Por outro lado, o "pai da pátria" Rakhmon aparece em dezenas de fotos e, no final, ganha espaço em um quadro que mostra o panteão dos heróis nacionais, encabeçado por Samani. O título de herói nacional já foi concedido ao atual presidente pelo Parlamento. O país está nas excelentes mãos do herói nacional, que, é claro, não comete erros.

Não obstante, se por acaso algum não-erro gerar a ira dos moradores de khojand, o exército está à disposição. O museu fica dentro de uma cidadela erguida no século X, restaurada depois, e que a instituição divide com um quartel do exército, bastante ativo. Pareceu à autoridades tajiques algo natural reaproveitar a fortaleza ancestral em vez de transformá-la, inteira, em um museu, preservando o que nela existir de original. Por aqui, acredita-se, ficava o assentamento erguido por Alexandre, o Grande, Alexandria Eschate. A cidadela-quartel-museu é o que mais presente a cidade tem de Alexandre. Há mapas indicando onde estariam as fronteiras da cidade do conquistador macedônico, contrapondo-as com as da fortaleza dos anos 900. Por isso, fantasiei explorar a pé cada centímetro dela.

Impossível. Com os soldados empunhando armas em metade do espaço, os fantasmas de Alexandre ficam fora do alcance dos turistas. Partes do lugar só podem ser vistas à distância, e, mesmo assim, com os soldados olhando de volta, ressabiados, com caras de poucos amigos.


* * *

A segunda noite no confortável quarto no hotel Eksaun foi de puro terror psicológico. Tenho certeza que, por muito tempo, vou ter pesadelos lembrando dessa madrugada em Khojand. Momentos de imenso pavor. O coração me arrancando da cama batendo com tal velocidade que eu pensei que iria pular do meu corpo e apanhar o primeiro avião de volta para o Brasil. Momentos que não desejaria nem ao meu pior inimigo.

Tudo começou na manhã seguinte à primeira noite no hotel. Ao acordar, decidi ficar mais um dia na cidade, não só porque ela me pareceu bonita e com mais coisas para explorar, como também porque estava sentindo os efeitos da gripe que peguei em Isfara, um pouco de febre e cansaço incomum. Fui ao guichê da recepção e, depois de uma fila de dez minutos, pedi uma noite extra no quarto e paguei por ela. Não é algo muito difícil de combinar em russo. Tenho certeza de que a senhora de grossos óculos entendeu perfeitamente o que eu queria. Ela inclusive me deu um recibo e um vale para o café da manhã do dia seguinte.

Ao chegar ao quarto de noite, com os pés doendo de tanta caminhada e a maldita dor de cabeça, tomei um banho, e assisti um pouco de TV. No meu andar, os quartos vizinhos estavam todos ocupados e eles faziam barulho eventual, acima de tudo conversando em voz alta e arrastando móveis. Na reta final do noticiário, com os meus olhos quase se fechando, alguém bate à porta.

Uma regra que sempre sigo em viagens que faço sozinho é jamais, em hipótese alguma, abrir a porta ou sequer responder a alguém que esteja batendo à porta do meu quarto em hotéis. Estranhamente é algo que aprendi viajando pelos Estados Unidos, um país muito mais fácil para os viajantes. Uma vez, em um motel de beira de estrada em Savannah, Geórgia, às 3h da manhã, alguém começou a bater à minha porta forte e insistentemente. Decidi não abrir. No dia seguinte, a própria recepcionista me disse que eu havia feito certo, pois era provavelmente um assaltante que havia visto meu carro parado na vaga em frente ao quarto.

Mesmo me sentindo seguro dentro do quarto, meu coração bateu mais forte. Evidentemente, é extremamente desconfortável saber que você é o alvo de alguém, que alguém quer ter acesso ao seu quarto, quer te ver, por algum motivo, sem que provavelmente eu possa me comunicar com essa pessoa normalmente, por causa da minha falta de habilidade com a língua. Um minuto de batidas insistentes se passou, o silêncio voltou. Respirei aliviado.

Apaguei a luz, coloquei-me embaixo das cobertas. No quarto abandonado ao lado do meu, conseguia sentir o vento entrando pela janela quebrada e levantando a cortina em farrapos. A cortina levantada assumia quase que o formato de um corpo, como se alguém estivesse escondido atrás dela. A febre estava começando a piorar. Tomei um analgésico e tentei não olhar para aquela janela. Deviam ser uma 21h30 da noite.

O analgésico me derrubou, mas aproximadamente uma hora depois praticamente pulei para fora da cama. Novamente batiam à porta - desta vez, com muito mais vigor. Sequências de três batidas fortes, às vezes quatro, com pequenas pausas. As batidas ressoavam em todas as paredes. Eu não sabia o que estava acontecendo, não estava conseguindo pensar direito por causa da febre e do sono, só sentia meu coração batendo cada vez mais rápido e um medo que só aumentava. O que fazer? Eles vão invadir meu quarto! O que foi que eu fiz? O que posso fazer? Nada, nada, não faça nada - essa era a única estratégia em minha cabeça. Encostei-me na parede fria, olhando para a porta balançando com as batidas. À direita, meu quarto continuava sendo invadido pelo fantasma na cortina do quarto abandonado.

As batidas demoraram mais desta vez, mas no final desapareceram. O alívio não foi tão grande. Eu já sabia que, se bateram duas vezes, iriam bater três, quatro. Até imaginava que pudesse ser algo importante, mas não poderia saber ao certo. Vindo dos quartos vizinhos, ainda ouvia ruídos difusos, agora menos conversa e móveis arrastados e mais televisão. Não poderia ser um incêndio, não era uma emergência. Na minha cabeça, se era alguém do hotel e não era emergência, qualquer coisa poderia ser resolvida no dia seguinte. Por que eles insistiriam tanto em falar com um hóspede que pagou a sua noite antecipadamente?

Permaneci de pé olhando a porta mais 15 minutos, depois cedi, me deitando novamente. Os olhos não fechavam. Senti uma gota de suor nascendo na minha testa. A cama parecia de espinhos.

A terceira sequência de batidas à porta foi obviamente a pior. Fortes, contínuas, cerca de meia hora depois. Eu não havia chegado a dormir. O coração batia forte demais. Me coloquei novamente colado à parede, olhando a porta balançando. Não parava. De repente, ouvi o que parecia ser alguma ferramenta tocando a fechadura, metal com metal. Entrando, saindo. Estão tentando arrombar a porta.

Agarro um abajur. O tiro da tomada. O seguro como um bastão de beisebol. Me preparo. A porta se abre com violência.

Deve ter sido uma visão patética para a funcionária do hotel me ver de pijama agarrando um pequeno vaso de porcelana com uma lâmpada como se fosse uma arma, quase chorando, trêmulo. Imaginei que ela fosse se aproximar de mim de forma agressiva. Mas acho que ela ficou com pena ao me ver assim, ou envergonhada por ter que invadir meu quarto. Permaneceu à distância, pediu desculpas.

Meu russo praticamente desapareceu nessa hora. Ela me dirigiu a palavra, fez inúmeras perguntas. Não entendi nada. Só consegui perguntar se ela falava inglês. Não falava. Ela me indicou que viesse atrás dela, que a deixasse sair e fechasse a porta. Foi o que fiz. Sabia que aquilo não ficaria assim. Cinco minutos depois, ela bate novamente, de forma mais calma, e junto com ela apareceu um senhor idoso de fala mansa, que igualmente não falava inglês.

Agora que eu estava mais calmo, entendi melhor. Havia ocorrido uma falha de comunicação entre a moça da manhã, a quem paguei o segundo pernoite, e ela. Ninguém a havia avisado que eu ficaria mais uma noite. Assim, ela não sabia se o quarto estava ocupado ou não, se poderia dá-lo a outro hóspede. O senhor me perguntou se eu havia pago. Eu lhe mostrei o comprovante do café da manhã, disse que sim. Eles rapidamente se deram conta de que eu não tinha culpa de nada. Nesse momento, eu ainda estava trêmulo, com os olhos arregalados, molhado de suor, com sono e febre, ainda sem conseguir falar direito. Eu repetia em russo "eu paguei, eu paguei, ok, ok", era a única coisa que conseguia falar. A mulher se desculpou, me desejou boa noite. Indiquei que não estava bravo, apenas queria dormir, e eles finalmente se foram. Tranquei aquela maldita porta pela derradeira vez.

Me atirei na cama. Nenhum fantasma de vento no quarto ao lado me tiraria as restantes horas de descanso.

Istaravshan, 20/9, 19h

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Sunday 21 January 2018

Nos Desertos, nas Montanhas (XXIV): Khojand

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Este texto foi escrito antes da morte do ditador uzbeque Islam Karimov, em setembro de 2016.

18/9/2012

Levantei de péssimo humor, como nunca em toda a viagem, depois da noite horrorosa no hotel. Com a friagem da madrugada, senti os efeitos de um resfriado. Minha garganta estava inflamada, muita tosse. Usei pela primeira vez meu arsenal de remédios e pastilhas.

O mau humor logo se manifestou também em minha falta de paciência, um problema sério em um ambiente em que você se depara constantemente com coisas que são completamente diferentes das que você encontra no Brasil e tem que enfrentar o tempo todo a curiosidade dos locais. Tudo ainda mais complicado com minha falta de domínio do russo, fonte de muita frustração.

Tive que me controlar para não sair do sério em uma lindíssima casa de chá à beira do rio Isfararinka, no coração de Isfara. Encontrei no centro da cidade duas casas de chá incríveis, imensas, com tetos ricamente decorados e coloridos. Dizem que a Orom, na rodoviária, é a mais antiga. A outra, Orion, a que fica à beira do rio, é maior; feita com mármore branco, tem dois andares e, como a Orom, estava quase vazia quando a visitei para o café da manhã.

Foi quando tive a companhia indesejada de um funcionário da casa, um senhor de bigode com camisa social branca, de mangas curta e manchas de sujeira, desabotoada do peito até a metade da barriga, enrugada. Com um odor de quem está precisando de um banho há uma semana, me recebeu quando cheguei, me encaminhou a uma mesa e não se afastou mais de mim por quase 40 longos minutos. Me pareceu sob o efeito de alguma droga. Falava rápido, alto, empolgado demais para uma pessoa que está trabalhando às 7h30 da manhã. Para ele, qualquer tópico de conversa parecia ser extremamente empolgante. Fartou-se de claramente tentar me deixar desconfortável - não sei se por humor, para que os amigos dele que se juntaram à mesa (a convite dele) rissem de mim, apenas para ver minha reação ou simplesmente para tentar arrancar dinheiro do "rico" viajante. Eu acreditava mais na última alternativa. Por exemplo: perguntou-me três vezes se eu estava precisando de uma prostituta. Depois, começou a fazer perguntas sobre meu dinheiro e pediu para vê-lo (obviamente não mostrei). Depois, pediu para ver meu celular. Mostrei as fotos que eu guardava no aparelho, sem deixar que ele o pegasse, sabendo que ele ia se entediar. Foi o que aconteceu. Logo, ele estava olhando para o outro lado, mais calmo e frustrado por eu não ter sido imprudente como ele esperava, deixando que ele manuseasse o aparelho (e talvez sumisse com ele).

Logo chegou um grupo de senhores com quem ele tinha amizade. Se sentaram em uma outra mesa, ao lado da minha, usando roupas limpas e me falando com tranquilidade na voz. Apesar de curiosos, eram cordiais e bem menos xeretas. Adorei conhecê-los, não apenas porque tive uma boa impressão inicial, mas também porque pude dedicar a eles toda a minha atenção, ignorando por completo o sujeito do bigode, que logo desapareceu. Conversei com dois deles rapidamente sobre fé. Mencionei minha crença de que há apenas um Deus, independentemente do nome ou da religião. Eles concordaram e riram quando eu me confundi e usei a palavra god (Deus em inglês) em vez de bog (Deus em russo). Especialmente de manhã, minha cabeça é uma grande salada.


* * *

O mágico anoitecer no Syr Darya. O Sol se põe devagar atrás das montanhas além do rio amplo, tranquilo. A sucessão de cores hipnotiza - luz branca, luz amarela, luz laranja, luz vermelha, luz roxa, luz púrpura, céu azul, céu azul mais escuro, céu quase negro. Lua nascente, quase invisível, apenas um fio de luz.

Alexandria Eschate nos tempos de Alexandre, o Grande (356 a.C-323 a.C.). Nos tempos soviéticos, Leninabad. Hoje, Khojand, a maior cidade da pequena península de território tajique no norte do país. Foi a mais distante cidade fundada por Alexandre em suas incursões pela Ásia Central. Uma cidade em um território que, em seus tempos, deveria representar algo como o fim do mundo, a fronteira da existência, os limites do universo. Como diz seu nome ancestral: Alexandria Eschate, significa, literalmente, Alexandria, a mais longínqua.

Não resistiu ao tempo gigante e irrefreável nenhuma narrativa primária dos tempos de Alexandre, nenhum registro da fundação da cidade escrito por algum contemporâneo dele, por alguma testemunha ocular. O conquistador esteve por aqui há aproximadamente 2.340 anos - mais especificamente por volta de 325 a.C. Entre as narrativas que sim resistem, há a de Arriano, o historiador grego que nasceu a meros 400 anos da morte de Alexandre. Muito tempo depois, mas certamente ele teve acesso a melhores fontes que nós. É assim que explica aquele momento perdido no inconsciente coletivo do mundo, quando Alexandre encontrou o Syr Darya, quando a Europa encontrou a Ásia Central:

Alexandre tinha em mente fundar uma cidade com o seu nome no rio Tanais (Syr Darya). O local parecia oferecer potencial para contínua expansão, e a cidade seria também erguida em uma boa posição, tanto para invadir Cítia (as terras mais ao norte) quanto para proteger a região contra os ataques de tribos que moravam no outro lado do rio. Ele teve a visão de que a quantidade de colonos, assim como a glória de seu nome, iriam garantir a grandeza dessa cidade.
- Arriano, The Campaigns of Alexander

A grandeza, séculos e séculos e séculos depois. Ônibus, carros, buzinas, pedestres. O rio neste ponto, ao lado da agitada ponte principal no centro da cidade, deve ter uns 30 metros de largura. Talvez 50. Nas margens, sujeira, de entulhos a plásticos, e dutos despejando esgoto. Mas o poderoso rio Jaxartes, como os gregos também o chamavam, aparenta ainda resistir. Vejo muita gente pescando, um grupo de remadores, três deles, cada um com seu barco. As águas são esverdeadas, transparentes. A superfície pinta um perfeito retrato do ocaso.

Khojand é abençoada não apenas pelo rio. As montanhas logo do outro lado dele, citadas por Arriano como o temível início da selvagem Cítia, terra do povo saka (que habitava na antiguidade a Sibéria e as estepes cazaques), certamente reforçaram sua posição estratégica. São, como tantas outras colinas por aqui, peladas. Imagino se no início eram cobertas de árvores frondosas. Imagino se no inverno não ficam todas branquinhas, cobertas de neve, tornando-as impassáveis muralhas.

Cheguei à cidade em uma van que tomei em Isfara no início da tarde. Foram duas horas de viagem. Deixei Isfara, seguindo de volta para Kanibodom, atravessando um trecho que me impressionou pela secura, quase um deserto - apenas mato rasteiro cinza, castigado pelo vento e pelo Sol insano. Depois de Kanibodom, a estrada seguiu à beira de um imenso reservatório que me lembrou uma versão menor do Issyk-Kul. Então, voltaram as plantações - algodão, milho, algumas indústrias produzindo algo que meu olhar pela janela não conseguiu identificar. Então, apareceu Khojand, deitada no final do reservatório, no oeste.

Fui recebido com muito carinho e sem segundas intenções. Entrei em um micro-ônibus no centro e, antes de me sentar, fui pedir informações ao motorista, que não só me respondeu como se negou a cobrar a tarifa de mim - disse que eu era seu "convidado". Outros a quem pedi informações foram igualmente simpáticos na rua, sempre me perguntando de onde eu era, sempre reagindo com incredulidade e orgulho de ter sua cidade explorada por um andarilho de uma terra tão distante.

Sem tanta pressa quanto em Isfara, decidi logo de cara encontrar um lugar para ficar - e de preferência melhor do que o cenário de pesadelos e calafrios da noite anterior. Não estava disposto a "tentar encontrar um lugar pior" que o hotel Isfara - essa piada que me passou pela cabeça não me pareceu muito engraçada. Ao lado do mercado da cidade, encontrei um prédio antigo inteiramente pintado de verde e amarelo, o hotel Sharq. Um funcionário falando excelente inglês me recebeu e insistiu para que eu ficasse. Novamente, um preço irrisório - a cama mais barata, dez somanis (algo como US$ 1,5), em um quarto com outras seis camas; a mais cara, 45 (cerca de US$ 6), em um quarto também dividido, mas com menos pessoas. O lugar todo era horrível, tinha colchões deformados de tanto uso e banheiros com latrinas porcas de se agachar, sem vaso sanitário, e não havia chuveiros (sim, não era possível tomar um banho).

Não muito longe, encontrei um prédio de vários andares, o hotel Eksaun. Nele, por 60 somanis (aproximadamente US$ 7,5) recebi um quarto limpo e imenso, com cama de casal, TV colorida e chuveiro. A incomum disposição interna do quarto indicava que, na verdade, todo o prédio havia sido projetado para ser um edifício residencial. Além do meu quarto, havia uma passagem para outro - totalmente abandonado, com janelas quebradas e mal cobertas por cortinhas brancas sujas e roídas por traças. Na certa, o quarto onde eu iria dormir era originalmente a sala e o outro cômodo, o quarto originalmente planejando para o apartamento. Pareceu estranhíssimo tamanho desperdício de espaço. Contudo, eu não tinha o que reclamar da cama e do quarto. Assim que descarreguei minhas coisas, peguei o elevador e atravessei o bagunçado saguão de entrada, onde os hóspedes faziam fila para falar com a senhora na janelinha da recepção.


* * *

Muitos em Khojand - não só nos hotéis - mostraram falar inglês, uma agradável surpresa. Tirando Almaty, foi a cidade com maior número de pessoas que encontrei que puderam se comunicar em inglês comigo sem problemas. Depois de admirar o anoitecer no Syr Darya, entrei em um pequeno e limpo restaurante na frente do Eksaun. Havia muitas outras pessoas e uma variedade espantosa no cardápio para um restaurante de cozinha rápida sem sanduíches. Com o meu resfriado, decidi tomar uma sopa de beterraba quentinha com quatro fatias de pão preto. Um funcionário, muito solícito, me ajudou com os pedidos falando ótimo inglês. Depois, com o caixa mais livre, se aproximou de minha mesa com um suco de cortesia e se sentou para conversar.

Alto, bigode, careca, gravata e camisa social branca bem passada, F. se apresentou com um aperto de mão. Logo passei a chamá-lo de amigo. Ainda mais quando, ao revelar que eu era brasileiro, ele abriu um imenso sorriso - disse que havia estudado com brasileiros na Europa em 1997, quando a guerra civil estava terminando no Tajiquistão.

Conversamos um pouco sobre a guerra, sobre a geografia, sobre história. Perguntei a ele sobre o domínio político que os naturais de Kulob, uma cidade no sul do país, exercem hoje no Tajiquistão. Durante os tempos soviéticos, o domínio político era das elites de Leninabad. No entanto, com a ascensão do presidente Emomali Rakhmon durante a guerra, a balança foi para o outro lado - Rakhmon é de Kulob e trouxe consigo aliados de lá. Não é à toa que o presidente tem críticos por aqui. E não só tajiques. Khojand fica encravada no Vale de Fergana, uma região em que os uzbeques são maioria. Pelos mapas bizarros traçados nos tempos soviéticos, esta cidade acabou ficando com o Tajiquistão, quando, na verdade, a posição geográfica, a composição étnica e a história indicam que este local deveria pertencer ao Uzbequistão. Evidentemente a mudança política com a ascensão de Kulob prejudicou os interesses uzbeques no Tajiquistão, alimentando a animosidade que hoje existe entre os dois países.

"Nós de Khojand somos vítimas de preconceito dentro de nosso próprio país", disse meu amigo tajique, com os olhos escuros, tensos, sem piscar. "Os kulobis têm mais oportunidades para estudar no exterior. Sim, é claro que odiamos Rakhmon. E Rakhmon e Karimov se odeiam. Isso é uma pena, muito lamentável. Há 20 anos, nos tempos soviéticos, nossos povos se relacionavam muito bem", explicou. Perguntei então a F. se é verdade ou não que Khojand é uma cidade uzbeque. "Em Khojand, há uma mistura de línguas, com tajique hoje em dia sendo ouvido com mais frequência. Mas não é o mesmo nas cidadezinhas do interior, perto daqui. É isso mesmo, a maioria aqui é uzbeque. Por isso que o fato dos dois líderes serem inimigos é um grande problema."

Talvez falar em inimizade seja exagerado. Mas há muitos, muitos sinais de falta de confiança. Os problemas começaram pouco depois do fim da guerra civil tajique, que por sua vez estourou logo depois do fim da URSS. Para Karimov, que viria a enfrentar levantes armados organizados pelo grupo militante Movimento Islâmico do Uzbequistão no fim dos anos 90, o Tajiquistão era um país que, ainda bagunçado, ainda se reconstruindo, permitia que os extremistas encontrassem refúgio e pudessem assim se reagrupar para atacar o território uzbeque. Veio pressão para os tajiques fizessem algo, e aquela sensação desagradável em Dushanbe de que Karimov era o pai mandão tratando o Tajiquistão como o filho irresponsável e inconsequente. Com o fim da ameaça dos militantes, continuaram as acusações uzbeques quanto à fronteira porosa do Tajiquistão com o Afeganistão, permitindo a entrada de drogas e armas. E veio a questão da gestão dos recursos hídricos. Pobre, o Tajiquistão quer há muito construir uma grande hidrelétrica, aproveitando seu terreno acidentado e seus rios poderosos. O excedente de energia produzido pela usina poderia ser vendido para o exterior. Mas o Uzbequistão, que ainda depende muito da produção de algodão, uma lavoura que exige muita água, ficou assustadíssimo com os planos, já que a usina poderia afetar o volume de águas que seguem do Tajiquistão para o país. Olhares tortos, agravados por personalidades orgulhosas e arrogantes dos dois líderes. O resultado não poderia ser diferente. Periodicamente, episódios menores gerando fronteiras fechadas, retaliações pontuais. Imagine, agora, o efeito disso sobre os moradores dos enclaves de um país no outro. Imagine, também, como muitos em Khojand se sentem sendo uzbeques étnicos, tendo que aturar um líder megalomaníaco que quer suprimir suas identidades, que quer que eles se afastem de seus primos do outro lado da fronteira artificial.

Mas a insatisfação dos naturais de Khojand com Rakhmon não é algo óbvio. Ela é escondida. Meu amigo me diz que ele não deveria estar falando nada daquilo para mim, porque teme que alguém possa ouvir e denunciá-lo. Pela cidade, cartazes com a foto de Rakhmon estão por toda parte. O presidente se reelege desde a guerra civil e não parece inclinado a deixar o poder tão cedo.

Logo, tenho a oportunidade de conhecê-lo melhor.

No hotel, ligo a TV. Pontualmente às 20h30, dois canais tajiques, o 1 e o T3C, entram em rede para transmitir o noticiário do dia. Uma overdose de presidente se segue. Overdose mesmo. O honrado líder é um incansável trabalhador... e isso fica bem documentado no que vejo.

Talvez o momento mais importante do ano para este país tenha acontecido hoje. Rakhmon visitou a região do Planalto de Pamir, no leste do país, na fronteira afegã, onde dezenas foram mortos pela polícia sob as ordens do líder em julho em uma revolta. Foi um desses casos que fogem de controle rapidamente - naquele mês, o chefe da agência de inteligência tajique na região foi assassinado. O governo em Dushanbe culpou Tolib Ayombekov, um líder local que, como parte do acordo de paz que encerrou o conflito civil, recebera um posto no governo de Rakhmon. O presidente, no entanto, nos anos subsequentes à guerra foi paulatinamente eliminando as concessões que fez pela paz e, por fim, afastou Ayombekov do governo. Ayombekov negou participação na morte do chefe da agência de inteligência, mas Rakhmon exigiu que ele se entregasse. Como ele se recusou, o presidente moveu suas tropas e invadiu Khorog, a capital da região autônoma de Gorno-Badakhstan, no Pamir. Ayombekov mobilizou um pequeno exército para resistir. Um banho de sangue que se seguiu.

Posteriormente, a região, que tem cultura e línguas diferentes do resto do país, foi isolada. Neste exato momento não é possível viajar para lá, nem de transporte terrestre nem aéreo. E isso congelou os meus planos - eu espero passar pela região a caminho do Quirguistão. A visita de Rakhmon ontem era esperada como um sinal de "normalização" da situação por lá.

Entretanto, na TV, nada me pareceu normal em Gorno-Badakhstan. O discurso do presidente, feito em um parque na cidade de Khorog, foi transmitido na íntegra - uma hora de blábláblá. Assisti boa parte, mesmo sendo em tajique, por curiosidade e também para me ajudar a pegar no sono. Para não deixar a transmissão tão entediante, o editor de imagens ficou incluindo imagens cuidadosamente selecionadas dos expectadores no parque. Mesmo essa seleção não foi capaz de esconder os sentimentos dos locais. Pessoas enraivecidas, com as sobrancelhas tensas, a testa enrugada, os lábios trancados. O protocolo incluiu homenagens dos moradores da região do Pamir ao presidente (lindas declamações de poemas). O que se passava pela cabeça do presidente também parecia claro - inquieto, sorriso rápido, com se quisesse acabar com tudo aquilo logo e sair voando com seu helicóptero rumo à capital. Em determinado momento, quando uma mulher se esforçava para ler lindamente um poema para Rakhmon, a imagem mostrava o presidente de pé no pódio à frente dela, de óculos, sequer olhando para a mulher, mas sim para um papel, como se estivesse trabalhando, trabalhando numa sala com a TV ligada, sem prestar atenção. Nenhum esforço para parecer simpático neste momento de crise.

Os moradores de Khojand, com raiva. Os moradores do Pamir, revoltados. Um presidente que prefere olhar para baixo, não para os olhos de seus compatriotas. Tenho maus pressentimentos sobre este país. Tomara que sejam só impressões iniciais equivocadas, pelo bem deste povo.

Khojand, 19/9, 10h45

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