Wednesday, 12 July 2023

Novas Fronteiras (XXXII) - Ashgabat, Turcomenistão



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29/8/2018

Os turcomenos têm imenso orgulho de seus tapetes. É tanta paixão pelos finíssimos objetos que os padrões decorativos tradicionais de tapetes associados a cinco tribos do país foram incluídos na bandeira nacional. Eles aparecem dentro de uma faixa vertical vermelha no lado esquerdo da bandeira, perto de onde vai o mastro. São os padrões, de baixo para cima, das tribos Tekke, Yomut, Saryk, Choudur e Ersary. Os símbolos são ricos em detalhes e, por isso, a bandeira do Turcomenistão é considerada por especialistas em vexicologia a mais complexa do mundo. Não sou especialista em bandeiras, mas posso dizer que considero a turcomena a mais bonita que já vi.

A paixão (qualquer que seja) frequentemente leva a extremos e, num país de extremos, ainda mais em Ashgabat, a capital de extremos do país dos extremos, não poderia faltar um exagero associado ao celebrado objeto. Aqui jaz, no Museu Nacional dos Tapetes, o tapete que até uns anos atrás, aparentemente, era o maior feito à mão em todo o mundo. Fica em uma sala especial e só pode ser avistado de uma plataforma que funciona como mirante. Feito em 2001, ele tem 301 metros quadrados e pesa 1,2 tonelada. O Livro Guiness dos Recordes diz que em 2007 foi feito no Irã um tapete muito maior, com 5,6 mil metros quadrados, que foi instalado em uma mesquita em Abu Dhabi. Ainda que não seja mais "o maior", o objeto turcomeno é uma maravilha para se ver e admirar por respeito ao talento e tradição cultural turcomenas, mesmo se o tema tapetes não seja uma grande paixão do visitante. Eu próprio nunca tive nenhum interesse por tapetes. Tenho um em casa, mas o principal motivo da compra não foi decoração, foi ter uma proteção para meus pés, isolando-os do chão frio das noites de inverno.

Esse valor que os turcomenos dão aos tapetes tem origem no passado nômade do país. Até meados do século passado, as tribos turcomenas tinham o hábito de produzir seus próprios tapetes para uso dentro de suas iurtas; os objetos eram feitos todos à mão, usando teares artesanais, com os produtos disponíveis: a lã dos rebanhos de ovelhas ou dromedários e as tinturas naturais. Aí surgiram os símbolos, incluídos na bandeira nacional, que distinguiam os tapetes dos membros das diferentes tribos. Não é exagero falar que, para esses nômades de antigamente, o tapete feito à mão era provavelmente a posse de maior valor, dado o esforço para produzir um único deles. Em geral, os tapetes das famílias eram pequenos, já que produzi-los era algo limitado pelo tamanho de seus teares rústicos; objetos maiores eram raros porque eram feitos apenas quando várias famílias uniam esforços. Outra característica desses tapetes antigos eram as falhas, o que lhes dava um charme especial e aumentava o valor dos que chegavam a mercados no exterior. Esse valor, evidentemente, determinaria o futuro do objeto. No Paquistão e no Irã, começaram a surgir cópias, chamadas de tapetes turcomenos, produzidas com tinturas artificiais e outros materiais não usados nos tapetes originais, como o algodão. No período da URSS, surgiu no República Socialista Soviética Turcomena uma legítima indústria de tecelagem de tapetes, com produção em larga escala e a concorrência de turcomenos radicados no Afeganistão. Hoje em dia, a produção familiar dos tapetes é algo raro, o que causa preocupação com a perda de uma cultura de séculos. Os tapetes antigos, especialmente os feitos segundo os métodos tradicionais, são hoje proibidos de serem exportados. Aliás, todos os tapetes comprados no país por pessoas que tenham o interesse de levá-los consigo para o exterior precisam passar por uma avaliação de especialistas que vão justamente atestar que eles são, de fato, turcomenos e que não são antiguidades.

Fui convencido a visitar o Museu Nacional dos Tapetes por F, que lembrou que nele estava a tal maravilha de 1,2 tonelada e argumentou justamente que, se a cultura turcomena coloca tal protagonismo nos tapetes, qualquer interessado em conhecer melhor o país e sua cultura precisaria, necessariamente, estudar melhor o que há por trás dos tecidos entrelaçados, das cores fortes, da geometria misteriosa. Novamente, meu amigo me fez abrir os olhos e, neste caso, não poderia jamais discordar.

A visita, entretanto, foi uma tremenda armadilha. Falo isso sem nenhum rancor e, agora, pensando um pouco, vejo que foi até divertido, ainda que desesperador quando estava acontecendo.

F me revelou a caminho do museu seu desejo de comprar e levar para casa um tapete pequeno. Disse ele que, com a exigência burocrática que as autoridades turcomenas impõem à exportação de tapetes, afetando mesmo o incauto turista querendo levar apenas um pequenino para o hall de entrada de sua casa, não existiria melhor lugar para comprar um do que na loja do próprio museu, onde há os tais especialistas que já estão acostumados com turistas e sabem bem o procedimento para emitir a autorização de exportação. F se empolgou e perguntou então se eu o ajudaria na comunicação com os funcionários para fazer a compra. Sim, claro, respondi. Disse que, se ninguém falasse inglês, evidentemente eu o ajudaria com o russo. Pensei: é óbvio que alguém no museu fala inglês, o lugar deve ter sempre visitantes estrangeiros que não falam russo nem, muito menos, turcomeno.

O lugar estava absolutamente sem nenhum visitante. Fomos bem-recebidos logo na entrada por uma jovem senhora, com seus 40 anos, vestido típico e a plataforma-tiara na cabeça. Falava umas palavras em inglês. Literalmente as seguintes palavras: "Olá, desculpe não falo bem inglês". Eu disse então que eu falava um pouco de russo, e ela, reagindo com um sorriso de orelha a orelha, disse então que não teríamos problemas. "Sim, claro, vendemos tapetes da mais alta qualidade", disse na língua de Pushkin. Nos conduziu então à loja do museu, onde vários modelos de tapete aguardavam F.

Novamente, expectativas erradas. Eu esperava que, no museu, não houvesse necessidade de negociar preços, como é o caso nos mercados abertos e feiras livres de toda a Ásia Central. Imaginava que os tapetes tivessem preços fixos de forma a tornar a experiência de compra mais confortável para os turistas do Ocidente. De fato, cada tapete tinha um preço, mas F fez questão de pechinchar. E o funcionário que o atendeu na loja do museu respondeu de forma receptiva, entrando no jogo milenar. Eu, no meio, fiquei sendo o tradutor da rodada de torgovatsya, negociação de preço. Caro, barato; este tapete, aquele; este preço, aquele preço; é muito, é pouco; quero ver este, quero ver aquele; me dá um desconto, mais desconto, aquele desconto, outro desconto; assim não dá, vou embora, abaixa o valor que eu compro agora mesmo, vou pensar. Minha cabeça virou uma bola de futebol cheia de cifrões, sendo chutada de um lado para o outro sem parar. Por fim, após 20 minutos ou meia hora, por cerca de US$ 200, uma absoluta fortuna para o turcomeno médio, F finalizou a partida. Aceitou levar um bonito tapete no estilo da região turcomena de Balkan, na costa do Mar Cáspio.

Após tal sessão de atividade intelectual intensa, na qual senti como se meu cérebro tivesse acabado de passar por um moedor de carne, veio a visita propriamente dita ao museu. Talvez por gratidão pela compra, talvez por tédio, talvez por pura bondade, a senhora que nos recebeu, muito séria, se ofereceu para ser de graça nosso guia particular no recorrido pelo local.

F, de novo, se empolgou. Eu, por alguns segundos, cobri meu rosto com as palmas das mãos.

A mulher tinha um conhecimento enciclopédico de tapetes turcomenos. Realmente impressionante. E falava rápido. Começou nos levando para um andar onde tapetes estavam ordenados, dos mais antigos para os mais modernos, mostrando a evolução da técnica de tear manual. Na hora seguinte, eu assumi como nunca o papel de tradutor. Estava fazendo o trabalho do russo para o espanhol — uma língua que, pese a minha ancestralidade, filho de espanhóis que sou, não é a minha principal. Nunca estudei, apenas falava em casa com meus pais. De fato, talvez seja a minha terceira em termos de fluência, atrás do inglês, ainda mais neste caso em que eu não estava familiarizado com os termos ligados ao universo dos tapetes e teares nem em espanhol e muito menos em russo. Meu entendimento do russo nesse caso se baseou muito em pedir à senhora que explicasse o que dizia com outras palavras, ou em instinto baseado em outras palavras semelhantes que conhecia em russo.

Uma longa hora. Eu suava, nervoso, tentando desesperadamente entender aquela senhora falando como uma metralhadora e encontrar palavras apropriadas no espanhol. Pedindo para a senhora falar devagar e sendo ignorado. Frequentemente derrapando do espanhol para o português, ou do espanhol para o inglês. F, talvez, sequer tenha percebido naquele momento o grau de tormento a que estava me submetendo. E a guia apenas parecia interessada em passar o máximo de informação no menor tempo possível. Imaginei que não deveria receber muitos turistas, talvez nossa visita tenha sido o momento mais importante do seu dia, ou de sua semana, ou de seu ano. Finalmente uma maneira de provar para si mesma sua utilidade, sentir-se orgulhosa de seu trabalho, após tanto tempo de expectativa na porta do museu, esperando algum visitante.

Segundo ela, a fabricação no Turcomenistão é garantia de qualidade do tapete (ela não poderia falar outra coisa), mas é preciso cautela ao se deparar com um, pois há muitos vendedores que tentam enganar o comprador, fingindo que o tapete é turcomeno quando não é. O duro é justamente identificar corretamente um tapete que é de fato do país. Para ser um exímio identificador, é preciso estudar anos. Não basta saber o símbolo da tribo bordado no produto, que pode ser facilmente falsificado; é preciso entender a tradição da estampa de cada uma das regiões do país. Além de Balkan, a região do tapete comprado por F, as outras quatro províncias do Turcomenistão têm elementos característicos. A região de Ahal, por exemplo, ao redor da capital e associada principalmente à tripo Tekke, usa padrões abstratos. Trata-se do "tapete padrão" turcomeno, o mais comum, nada de se estranhar visto que a tribo é a mais poderosa e numerosa do país. Os de Mary, diferentemente dos outros, têm a cor preta. Mas todas essas são apenas referências vagas; a identificação dos tapetes está longe de ser uma ciência exata. A criatividade do tecelão fala alto, dificultando tudo ainda mais, e certos designs podem ser bem raros. Tudo isso pesa no preço final, além do material, o tamanho, a técnica usada (feito à mão ou não, ou feito à mão de uma maneira peculiar ou não) e o valor histórico.

O passeio pelo museu terminou justamente em frente a seu maior orgulho, o gigantesco tapete considerado por algum tempo o maior feito à mão do mundo. Após admirá-lo, nos despedimos da senhora, que nos acompanhou até a porta. F me agradeceu com alegria, estava exultante, felicíssimo com seu brinquedo embaixo do braço, com toda a papelada devidamente em ordem. Mas eu, talvez, estivesse ainda mais feliz do que ele, mas pelo motivo de ter superado aquela imensamente dolorosa tortura linguística. Ainda era de tarde, fazia sol, F queria passear e propôs que fossemos para o hotel apenas para deixar o tapete e depois sair de novo, imediatamente. Disse a ele que ficasse a vontade para fazer o que quisesse, mas que eu tinha outros planos.

Me tranquei no quarto e me deitei na cama, por fim envolto no mais reconfortante silêncio.


* * *

Uma hora depois, ainda era de dia. Eu não estava completamente recuperado da maratona de tradução, mas acordei e voltei a me encontrar com F. Nos vimos atrás do hotel, em uma praça onde achamos raros ecos do passado do Turcomenistão.

Na praça, o primeiro que vi foi um prédio chamativo onde funcionava o arquivo do Partido Comunista da República Soviética Turcomena. O prédio parecia ter sido inteiramente reformado e mantinha uma incrível fachada de concreto dos anos 1970, com esculturas em alto relevo mesclando a iconografia soviética com elementos da cultura local. Na mesma linha, entretanto, o mais interessante da praça não era esse prédio, mas o que estava logo à frente dele: uma estátua de Lênin, a primeira que vi no país. Com um visual totalmente diferente de qualquer outra.

Em alguns países da ex-URSS, as estátuas de Lênin, onipresentes nos tempos do comunismo, estão hoje extintas ou em franco processo de extermínio. Isso se deve à tensão política com a Rússia e ao fato de que Lênin é associado por muitos à dominação russa. É o caso da Ucrânia e dos países Bálticos, nos quais, francamente, é um desafio encontrar qualquer estátua soviética (não apenas de Lênin) ainda de pé. Na Ásia Central, as estátuas do líder da Revolução de Outubro desapareceram no Uzbequistão (substituídas por estátuas de Tamerlão). No Tajiquistão e no Quirguistão são ainda razoavelmente fáceis de encontrar — lembro de ter visto estátuas em Khojand, a cidade mais importante do norte do Tajiquistão, e em Bishkek e Kochkor, no Quirguistão. No Turcomenistão, com a força do culto de personalidade aos presidentes após a independência, não esperava ver absolutamente nenhuma. Mas o Lênin de Ashgabat, inaugurado em 1927, sobrevive. Feita de bronze, a pequena estátua apresenta o líder com sua pose tradicional, gesticulando, energético e audacioso, como que fazendo um discurso. Entretanto, outros elementos do conjunto cercando a pequena estátua a transportam para um mundo paralelo, um mundo que parece em completa oposição ao frio rigor comunista. E esses elementos teriam sido incorporados à obra pelo próprio arquiteto responsável, Andrey Karelin (1866-1928). Não são acréscimos modernos, pós-independência.

O conjunto do plinto montado em uma plataforma com portas e uma grade é todo decorado com padrões tradicionais, azulejos que lembram algum tipo de tapete ou palácio ancestral. Essa decoração sugere um tributo à história pré-soviética do Turcomenistão e à religião muçulmana. Quase nada russo — nem mesmo o nome de Lênin, presente no alfabeto do Islã (embora no início da URSS o alfabeto árabe ainda fosse tolerado na região; a adoção do alfabeto cirílico só viria sob Stálin em 1936). Os mais evidentes ecos soviéticos são a estátua em si, a cor vermelha predominante da plataforma e o slogan leninista, gravado nas paredes externas da plataforma em russo e em turcomeno ("O Leninismo é o caminho para a emancipação dos povos do Oriente", uma referência ao período inicial da URSS, quando Lênin prometia a autodeterminação das nações soviéticas).

Interessante. No Turcomenistão ultranacionalista, uma das poucas referências ao passado soviético ainda toleradas é uma estátua de Lênin em que apenas seu legado associado à promessa de autodeterminação do povo turcomeno é celebrado. Como se o passado soviético do Turcomenistão tivesse acabado depois de Stálin. Dessa forma, Lênin, e em geral o passado soviético, é apenas tolerado no país ao reforçar a atual ideologia. E preservada, quem sabe, a estátua de Lênin atua como um recado ou um lembrete aos saudosos da era do Comunismo, como que indicando que o momento atual é a concretização daquela promessa do líder de então. Uma das poucas coisas do passado comunista que, segundo o governo atual, merecem ser celebradas e admiradas: uma promessa nunca cumprida nos tempos da URSS e que agora se torna realidade.

Ashgabat, 29/8, 23h30

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Novas Fronteiras é um diário de uma viagem feita em 2018 a três países da antiga URSS na Ásia Central — Uzbequistão, Tajiquistão e Turcomenistão. Novos capítulos são publicados neste blog uma vez por semana, aos domingos, e seguem ordem cronológica. Novas Fronteiras é parte de um projeto maior que inclui outros diários de viagem pela Ásia Central publicados neste blog pelo autor, que tem viajado regularmente à região desde 2001. O objetivo do projeto é apresentar um panorama detalhado e em profundidade das sociedades dos países da antiga URSS na Ásia Central, em um processo de busca e exploração em que o autor executa uma viagem simultânea, de autodescoberta e entendimento do universo centro-asiático como espelho de sua própria existência.

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