O que é "Novas Fronteiras"?
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7/8/2018
Um pequeno Registan.
O Sultan Saodat me recebeu vazio numa linda manhã, cedo, com um sol ainda doce, com o vento frio sobrevivente da madrugada ainda suspirando. Trata-se de um conjunto de mausoléus e outros prédios islâmicos em completa harmonia, erguidos ao redor de um pátio, como no famoso conjunto arquitetônico Registan de Samarkand, a maior atração turística do Uzbequistão. Com duas diferenças: aqui, o principal são os mausoléus, lá, são madrassas, seminários islâmicos. E aqui, ninguém por perto. Nenhum turista. Me senti abençoado. Sem pressa, sentei-me e me pus a admirar um dos portais, as flores plantadas ao meu lado, o ocre dos tijolos.
Acordei ou ainda estou sonhando?
Acordei, sim. O mais cedo que consegui, já antevendo o sol e o calor torturantes de Termez. Às 7h em ponto eu estava no refeitório do hotel Surkhan, que, como tantos outros na ex-URSS, guarda os sinais de sua construção nos tempos soviéticos mesmo após sua renovação e modernização posteriores. Me tentou com uma oferta de pernoite por aproximadamente US$ 12. Na hora que cheguei ao refeitório, o café ainda nem estava pronto; me servi do que já havia no buffet, basicamente pão e ovos fritos. Cinco minutos depois, estava na rua achando um taxista que aceitasse me levar ao Sultan Saodat. O lugar fica a cerca de 20 minutos do centro de Termez, e logo percebi que o conjunto arquitetônico não era um destino que taxistas costumam visitar diariamente, ainda mais levando-se em conta que no Uzbequistão, assim como nos demais países da Ásia Central, muitos taxistas são apenas pessoas com carro, no seu dia a dia, indo de um lugar para o outro e dando carona por dinheiro a qualquer um que lhe fizer sinal na rua, fazendo corridas apenas se o destino do cliente é no seu caminho cotidiano. O Sultan Saodat não fica no caminho de quase ninguém. O primeiro e o segundo disseram não, sem discussão. O terceiro hesitou, negociamos o preço e ele acabou aceitando.
Logo depois que cheguei, após o deslumbramento inicial, percebi que, na verdade, não estava sozinho. Embora sem turistas, o Sultan Saodat é popular entre os moradores de Termez, especialmente os vizinhos do conjunto. Me cumprimentaram três pessoas; um homem, mais velho, que parecia ser o zelador, com seu sobretudo escuro de algodão e seu chapéu uzbeque, olhos fundos, sorriso afável. Me estendeu a mão e duas palavras amistosas em russo. Acompanhavam-no duas mulheres. O velho me perguntou de onde eu era. Ficaram orgulhosíssimos de ouvir minha resposta. Quanto de mais longe vem o visitante, maior o orgulho. Com sorrisos, agora largos, os três entraram em um mausoléu. Fiquei sentado à beira do prédio.
Que bênção é ter tempo.
O conjunto, que além de mausoléus tem um albergue para peregrinos, surgiu para a abrigar as tumbas dos Sayid de Termez. Os Sayid são os que talvez sejam os mais nobres muçulmanos, já que reivindicam descendência direta do Profeta ou de seu genro Ali. Porém, como quase tudo na Ásia Central, a origem do Sultan Saodat é um tanto obscura e confusa. Há duas explicações para seu surgimento. Uma crença é que no conjunto tenha sido enterrado Sayid Ali Akhbar, um dos filhos de Hasan Al-Askari (844-874) — descendente direto do Profeta e décimo primeiro imã (sucessor de Maomé) xiita do ramo majoritário do xiismo, que acredita que foram 12 imãs — e irmão do décimo segundo imã. Sayid Ali Akhbar foi apelidado de "Sultão dos Sayids", ou Sultan Saodat, e aqui também tiveram descanso final seus descendentes. A segunda história, preferida por alguns, é de que este é o local onde eram enterrados os familiares de um tal Sayid Hassan al-Amir, também da linha genealógica do Profeta, e que fez sua fortuna em Termez. Qualquer que seja a verdade, o que se tem certeza é que a dinastia Sayid local foi muito rica e influente em assuntos religiosos especialmente nos séculos XIII e XIV, e seus membros eram seguidores do ramo sunita, como a maioria dos centro-asiáticos. O Sultan Saodat passou a ser erguido a partir do século X, coincidindo com a morte de Sayid Ali Akhbar, e os últimos detalhes foram acrescentados apenas no século XVII. O local sempre atraiu uma parcela considerável de peregrinos, e muitos até hoje o visitam. Isso explica o cuidado dos zeladores em manter o conjunto impecável.
Há quem o defina o Sultan Saodat como uma composição timurida, ou seja, seguindo o estilo das grandes obras arquitetônicas de Tamerlão, o conquistador mais importante nascido no território do atual Uzbequistão e famoso por transformar Samarkand em sua capital, e de seus descendentes próximos. Isso é discutível, afinal, o conjunto começou a ser erguido muito antes de Tamerlão, que viveu nos séculos XIV e XV. Entretanto, há elementos que lembram a arquitetura associada a ele. A fachada do mausoléu principal, por exemplo, tem um lindo mosaico de azulejos dominado pela cor azul, preferida pelos timuridas. As linhas de centenas de hexágonos criam um tabuleiro no alto do portal. É como se os hexágonos fossem estrelas — e estrelas são um tema associado a um famoso neto de Tamerlão, Ulugh Bek. Em cada um dos hexágonos, há estrelas menores, mandalas, desafios geométricos transmutados em realidade pela habilidade sem par dos artesãos. Um friso com as serpentes do alfabeto árabe, incompleto, emoldura os hexágonos e adiciona uma autoridade temporal a todo o conjunto, expressando a mensagem de que se vislumbram os séculos inclementes ao se admirar a fachada, agora imperfeita, aleijada pelos anos. Os outros prédios do conjunto têm fachadas mais simples, mas imponentes em sua simplicidade, em seu rigor austero. Todos, evidentemente, bem menores do que as madrassas do Registan, mas a sensação é realmente de se estar vendo uma versão alternativa do grande símbolo arquitetônico uzbeque. Todos, como em Samarkand, reconstruídos, reformados, embelezados para o bel prazer dos visitantes. Não sinto, porém, nenhum exagero por aqui. O Sultan Saodat mantém sua magia, e ela me envolve completamente.
Me dediquei a fitar cada linha de tijolos em cada mausoléu. Entre uma e outra, respirava fundo o aroma açucarado das ervas aromáticas que disputavam espaço com as flores no canteiro ao lado de onde estava sentado.
Entrei em uma espécie de transe. O cheiro. A vista.
Ecos também da madrassa Mir-i-Arab de Bukhara, onde minha alma sempre se perde. Nos tijolos, nos azulejos, no árabe cursivo e misterioso, nas cúpulas.
* * *
Uma hora ou uma hora e meia depois, o passeio continuou a pé, titubeante, exploratório, com um mapa na mão.
Segui por uma estrada vizinha, de duas pistas, asfaltada. Zona rural de Termez. Carros esporádicos passavam em alta velocidade levantando poeira. Já eram 9h30, eu podia sentir o sol ganhando força a cada minuto. A área, como adiantou o museu arqueológico no dia anterior, é rica em tesouros arquitetônicos e arqueológicos poucos conhecidos por quem não é daqui.
Ainda perto do Sultan Saodat, encontrei uma placa na estrada dizendo "Kokildor Ota", com uma seta para a esquerda. O que é isso? Nada no meu livro-guia. Nem ideia. Imaginei, por causa do Ota (pai, em túrquico, a base de boa parte das línguas da Ásia Central), que fosse novamente algum tipo de mausoléu. Saí da estrada, peguei a via lateral indicada à esquerda, de pista única, e fui seguindo.
Não havia mais placas no caminho secundário. À beira da via, casinhas, mulheres regando o chão para baixar a poeira, crianças curiosíssimas ao ver meu chapéu ocidental de abas longas, meu óculos escuro, minha pele pálida. Os carros passavam. "Interessante", pensei, "vão todos no mesmo sentido que eu..."
A caminhada seguia. Me angustiava não ver mais placas.
Onde eu estava me metendo? Iria andar até quando para achar sabe-se lá o quê?
Meia hora depois, surgiu um pequeno prédio islâmico à esquerda, com um pórtico de tijolos, sem azulejos, atrás de um estacionamento ao lado da estrada. Mais carros me alcançavam, viravam e entravam no estacionamento, que estava cheio. Algo estava acontecendo, justamente naquele momento. Desciam dos carros homens com roupas sociais surradas, os chapéus pretos típicos. Não entravam no prédio. Davam a volta, iam para trás dele. Um dos homens me viu, sorriu, e desviou do caminho, vindo na minha direção. Perguntou, claro, de onde eu era. Respondi. Ele reagiu sem pestanejar, me pegando pelo braço: "Venha comer".
Encontrei o que calculei serem uns 50 homens sentados sobre um tapete estendido no chão atrás do mausoléu. Um tapete azul, com uns 20 metros, como se fosse uma mesa, sobre o qual fora colocado um pano branco. E sobre tudo isso, as entradas de um banquete — uvas, frutas secas, pão, bules de chá, refrigerantes, água. Todos os homens usavam o chapéu típico uzbeque. Conversavam animadamente e, ao me ver, repentinamente ganharam um foco de atenção. Sorriram, em sinal de boas-vindas. Fui logo encaminhado a um espaço em uma das pontas. "Sente-se, sente-se!" disse o homem que tinha me encontrado no estacionamento. Eu não tinha escolha, obviamente, e com muito prazer aceitei o convite. Para os centro-asiáticos, um dos maiores alegrias, uma das mais sólidas tradições, é receber seus visitantes como reis. Acredita-se que nessas situações uma bênção especial recai sobre os anfitriões.
Ganhei amigos de décadas em poucos minutos. Me contaram, entre um gole de chá e outro, que tratava-se de um banquete em homenagem a um senhor, sentado bem distante de mim, que estava se preparando para fazer a peregrinação a Meca. Me saudou a distância, com sua barba branca e um sorriso bonachão; ergui meu copo de chá e bebi à sua saúde. À frente, notei a entrada traseira do Kokildor Ota. Fiquei curioso com o fato de os homens estarem reunidos todos do lado de fora. Talvez o local fosse pequeno demais, lá dentro, para receber tamanha festa. Não podia dizer ao certo quantas pessoas ele comportava. Vi umas crianças e mulheres entrando e saindo; logo concluí que lá estavam as esposas e filhos dos patriarcas degustando a comida sob o sol da manhã. E quanta comida foi chegando... pratos e pratos e pratos de plov, o arroz à moda uzbeque, ensopado em óleo de algodão; sopas, carnes assadas, salada. Fartura infinita.
Minha revelação de ser brasileiro causou um pequeno alvoroço; seguiram-se comentários longos sobre o futebol verde-amarelo e sobre o calor dos trópicos, com alguns querendo saber se Termez era quente comparada com as terras de onde eu vinha. Disse que achava Termez pior. Risadas satisfeitas.
O desconforto de sempre em ocasiões como esta na Ásia Central: comi até ficar satisfeito, mas não poderia haver limite para a hospitalidade. A comida não parava de vir na minha direção. Trouxeram-me shorpo, um ensopado de carne e batatas que me causou traumas em 2012 no Pamir, onde encontrei versões cheias de carne mal cozida, muito gordurosas, sem sal, horríveis. O shorpo me foi oferecido diretamente pelas mãos do orgulhoso cozinheiro, teria a honra de ser o primeiro a prová-lo, como falar não? Na água fervente, com uma colherzinha de porcelana, achei algo branco boiando. Parecia um pedaço de couve-flor, uma hortaliça que adoro. Em um piscar de olhos, o coloquei na boca e balancei a cabeça em gratidão. Só na boca percebi que era um pedaço de gordura pura, praticamente crua. Tive imediatamente náuseas. Engoli, fui procurar sobre o tapete um prato de salada e avidamente tomei dele um pedaço generoso de cebola crua para tentar neutralizar o sebo no céu de minha boca.
Respondi às curiosidades e mais curiosidades dos senhores sobre o Brasil. Pouca oportunidade tive de fazer perguntas. Mas consegui ouvi-los sobre o local onde me encontrava. Me explicaram que na verdade o Kokildor Ota não era apenas um mausoléu, mas também uma khanaka, um prédio usado por praticantes do sufismo, a corrente mística do Islã, e que geralmente é construído em conjunto com o mausoléu de um santo sufi. Nisso, chegou a sobremesa: deliciosas fatias de melão. Peguei duas, três. As devorei com avidez. Se causei má impressão ao não tomar muito shorpo, então encontrei minha redenção, com o líquido da fruta gotejando do meu bigode.
Com a chegada da sobremesa, encontrei a desculpa perfeita para começar minha despedida. Pedi licença para ver o interior da khanaka. A ideia era ir, ver, e depois seguir meu caminho. Todos, claro, aceitaram, orgulhosos do fato de que o curioso viajante quisesse ver seu tesouro.
Como imaginei, havia apenas mulheres e crianças lá dentro, todas ocupando um espaço que não daria para a metade dos homens sentados do lado de fora. As mulheres, todas com seus véus na cabeça, me olharam como se eu fosse um animal extremamente exótico. Claro, causei desconforto. Nas paredes, apenas tinta branca. Se o local algum dia teve um interior com intricados trabalhos de azulejos ou mosaicos de tijolos, há muito se foi. Abaixei a cabeça e dei passos para trás.
Me voltei a meus amigos sentados. Fiz sinais de reverência. Com minha mão direita no peito, entoei o meu melhor e mais profundo agradecimento. Quase todos sorriram e acenaram para mim, me desejaram sorte. Muito carinho. Me sinto me despedindo de meus irmãos. A cada passo de volta para o meu caminho, saudade: dos meus irmãos no Brasil e ao mesmo tempo dos meus novos irmãos nesta khanaka desconhecida.
Nova parada, desta vez, prevista. De volta à beira da estrada principal. O sol estava em seu ápice agora; muita poeira, muita secura, um imenso incômodo no nariz ao cruzar com os carros que vinham em toda a velocidade nos dois sentidos. Uma placa dizia Kyrk Kyz, que quer dizer "40 meninas" em túrquico. À direita, lá estava. Não foi preciso andar muito. Vi uma edificação baixa, de tijolos, e um portal.
Misterioso lugar. A descrição inicial oferecida pelos guias de turismo é de que esta seria uma fortaleza. Entretanto, estudiosos que se debruçaram sobre o assunto discordam e não chegam a uma conclusão unificada; sua formação indica que, mais provavelmente, era um palácio de um rico senhor local, mas talvez fosse um prédio religioso ou mesmo um rabat, uma estalagem de caravanas. Em seu livro Monuments of Central Asia (2001), Edgar Knobloch, um estudioso da arte e cultura centro-asiáticas, define o Kyrk Kyz como um exemplo de um estilo de edificação fortificada associado aos sogdianos, um povo pré-islâmico local cuja origem se perde nas névoas do tempo. Seria um kushk sogdiano. Era assim como eles chamavam uma casa ou palácio cuja distinta estrutura priorizava a defesa; com os séculos, a proteção contra povos hostis deixou de ser a prioridade, mas até hoje esse tipo de construção defensiva influencia a arquitetura local. Também é incerta a razão da referência às 40 meninas de seu nome. A mais repetida explicação é que, neste lugar, em um passado distante, uma princesa e as meninas teriam conseguido sobreviver, resistindo bravamente, a um ataque de nômades. Para os homens e suas fantasias, há uma versão um pouco diferente: a de que o lugar, um dia, abrigou 40 virgens (e assim teria se assemelhado ao paraíso dos mártires muçulmanos). Outro mistério é a possível associação do nome com a lendária origem do povo do Quirguistão, que, dizem, teria surgido de 40 garotas — e daí o nome da nação, "Kyr Gyz". Mas a construção fica muito longe de onde os quirguizes hoje moram e não há relatos de que eles um dia ocuparam Termez.
Com as névoas do passado que dificultam a leitura do lugar, as únicas certezas são que o conjunto, um quadrado com grossas paredes de barro de 55 metros de extensão cada lado, data do século IX e teria tido, um dia, cerca de 50 cômodos distribuídos em dois andares. Hoje, o lugar teria tudo para desmoronar, mas permanece de pé. Uma estrutura fantasmagórica que realmente incita a imaginação, uma raridade no Uzbequistão obcecado em manter em animação suspensa seus tesouros, exageradamente reformados e refeitos. Mesmo aqui alguns pedaços da edificação foram recriados. Todavia, acima de tudo, o Kyrk Kyz ainda é um labirinto de paredes de barro semidestruídas, com muitos trechos sem teto. São paredes imensas, fortes, imponentes, o que reforça a impressão de que é um prédio fortificado. Há arcos e cúpulas que um dia devem ter sido os elementos de um palácio riquíssimo, uma joia da aristocracia. Imaginei o viajante, quiçá um peregrino sufi, pobre e faminto, caminhando quilômetros após cruzar o rio Amu Darya e encontrando tamanha imponência, a sombra e a água fresca às quais não poderia ter acesso, no meio do calor sufocante.
Perdi-me em seguidos corredores que aparentavam estar prestes a ruir mas que, teimosamente, não vão desabar tão cedo. O que ecoam estes tijolos desgastados é muito mais poderoso do que as paredes riquíssimas do reconstruído Registan de Samarkand podem sugerir. É a história. É o tempo.
Havia uns homens, quatro, na parte de trás do Kyrk Kyz. Dois haviam sido vencidos pelo ar quente e estavam jogados em uma elevação no chão, encostados no monte de terra e deitados em 45 graus, imundos. Outro estavam no alto de uma parede, olhando os companheiros. O último, teimosamente, usava uma pá para cavar uma das paredes. Não entendi bem o que estava fazendo. Não parecia estar trabalhando para preservar ou reconstruir o local. Muito pelo contrário. Parecia raivoso, usando toda sua força, cavocando e retirando quilos e quilos de barro duro do monumento ancestral. Pensei que talvez estivessem lá sem autorização oficial. Caçadores de tesouros? Desocupados? Vândalos? Observei-os por entre as paredes, não fui visto. Me afastei.
Vi então dois meninos, uns dez anos de idade. Um deles passou a me seguir. Andei de cá para lá entre as salas sem teto, vendo e inspecionando as pedras em busca de inscrições antigas (nada encontrei). Ele se aproximou, mas ficou atrás de uma esquina, antes da entrada de um aposento. Preparei-me. Quando ele saiu do seu esconderijo para me ver, tirei uma foto. Ele percebeu e se escondeu de novo. Deu uma risada. Fui para outra câmara, depois para outra. Ele continuou me seguindo. Sem uma palavra, brincamos de esconde-esconde. Subi para o teto; me seguiu. Mais fotos. O jogo mudou. Passei a segui-lo.
Em uma sala que não vi antes, uma árvore sagrada. Não sei como cresceu no meio da construção. Não tinha ideia de sua idade. Estava fora de lugar, cercada das paredes de barro, tomando o espaço de um buraco no teto. Em seus ramos, uma manifestação do sincretismo. Centenas de pedaços de tecido, amarrados, balançando com a rara brisa. Fiapos que um dia foram coloridos. Eram votos, oferendas, cada uma representando um pedido ou uma graça alcançada. Isso é o Islã da Ásia Central. Um Islã que traz elementos muito mais antigos do que a árvore, do que o Kyrk Kyz, do que o próprio Maomé, elementos que se misturaram às crenças dos conquistadores árabes e foram depois espalhados pelos peregrinos místicos sufis.
A árvore parecia sufocada pelos trapos. Não sei se estava viva. Tanta fé pode ter-lhe sugado a magia de surgir e crescer em meio à poderosa construção. Os panos jaziam inertes, cobertos pelo pó ocre. Nenhuma brisa. Tudo parado. Nenhum ruído.
O menino desapareceu. Desapareci.
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O capricho no uso dos tijolos impressiona tanto quanto a fachada principal e seu mosaico de azulejos
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