Monday 22 April 2019

Um Brasileiro no Uzbequistão - Prefácio



Clique aqui para ler a primeira parte do diário

Em 2018, eu realizei minha quarta viagem aos países da Ásia Central que pertenciam à União Soviética, uma eterna fonte de paixão. A jornada me levou a três países: pela primeira vez, visitei o Turcomenistão, realizando um sonho antigo. Visitei também o Tajiquistão pela segunda vez, depois da jornada de 2012 descrita no meu diário Nos Desertos, Nas Montanhas. E voltei ao Uzbequistão pela quarta vez. A viagem à terra dos uzbeques teve um significado especial por seguir, em boa parte, o trajeto que fiz na minha segunda viagem à região, em 2003 - a viagem que foi a primeira que fiz à Ásia Central como turista, a primeira em que vi as cidades mais lendárias da Rota da Seda, Samarkand e Bukhara, e a primeira onde, de verdade, se desenvolveu a fascinação e admiração profundas pela região que me motivaram, e motivam, a voltar.

De volta a minha casa em Londres, achei que, antes de colocar no papel o diário da viagem de 2018 (que espero publicar em algum momento em 2020), valeria a pena revisitar, pela primeira vez desde a publicação, o diário de 2003, que foi lido por muitos dos meus amigos e familiares com o título Um Brasileiro no Uzbequistão. Os dez textos foram publicados na época pelo site Digestivo Cultural, onde até hoje se encontram disponíveis.

Ao reler Um Brasileiro no Uzbequistão, fui tomado por uma imensa alegria de rever os locais que acabara de visitar em 2018 com os olhos de 15 anos antes. Foi um prazer rever um Uzbequistão que mudou tão imensamente - não apenas pela morte de seu primeiro presidente, Islam Karimov, em 2016, como também pela sua crescente abertura ao resto do mundo, deixando para trás o isolamento soviético e, claro, o que veio por séculos e séculos antes dos russos. Por outro lado, meus anos de estudo após a visita de 2003 me trouxeram muitos mais detalhes que, à época da publicação desse primeiro diário, não me haviam chegado. Percebo que havia muitas imprecisões ou erros ou trechos que precisavam ser retificados, re-explicados, reescritos. Disso, a ideia de revisitar os textos de 2003 logo se transformou em um plano um pouco mais ambicioso - republicar o diário, trazendo a sua melhor versão possível à luz, disponibilizando-a a quem desejasse, como eu, rever o Uzbequistão que vi em 2003.

O diário fala pouco, na verdade. Há muita coisa que vivi em 2003 que não incluí nos textos pois, à época, procurava respeitar um limite de cerca de 2000 palavras por artigo. Ele se manteve conciso, o que é bom no sentido de apresentar uma introdução geral e talvez mais acessível às maiores joias da coroa do roteiro da Rota da Seda na Ásia Central. Em 2003, é importante lembrar, esse roteiro era ainda um grande mistério, distante dos brasileiros. Me senti literalmente um peixe fora d'água sendo brasileiro e visitando a região (ainda que, é claro, não tenha sido de forma alguma o primeiro brasileiro a explorar o Uzbequistão). Esse estranhamento se traduziu no título do diário - que hoje até me causa graça ao comparar com o momento atual do turismo na região. Nas viagens subsequentes, em 2012 e 2018, vi muitos brasileiros se maravilhando com a cidade velha de Bukhara ou com o Registan de Samarkand. Me senti muito feliz. Como se tivesse sido um precursor.

O diário também não fala muito de minhas dificuldades na viagem. Embora alguns relatos dramáticos tenham sido incluídos (como a inesquecível viagem de carro pelo deserto entre Bukhara e Urgench), poupei os leitores de muitas das dificuldades linguísticas, da solidão e do medo natural de explorar um mundo tão diferente (o medo, em particular, teve seu ápice em Namangan). E, claro, houve o problema seriíssimo com minha câmera fotográfica - naquela era jurássica, ainda com filme de rolo. Ao chegar a Bukhara, o filme ficou preso dentro da câmera, não era possível rebobinar. Num esforço para resolver o problema, tive que abrir a máquina e isso fez com que a maior parte das fotos se perdesse. Até hoje me lamento por isso. Algumas fotos que se salvaram foram incluídas no diário e claramente têm qualidade inferior as dos meus diários posteriores. A foto acima, toda em azul (um efeito do problema que tive e que acabou virando "licença poética"), é justamente uma delas, mostrando a belíssima madrassa Mir-i-Arab de Bukhara. Entretanto, para esta versão revisada, decidi incluir, especialmente no trecho de Bukhara, algumas fotos que tirei em minhas viagens que vieram depois com o objetivo ilustrar melhor os textos.

Em um momento, porém, o diário original fala demais. Da sua primeira parte (I), durante o processo de revisão, decidi retirar um trecho. Achei que ele afetava um pouco a cronologia do diário. Isso porque ele foi escrito por mim após a conclusão da viagem, mas em Um Brasileiro no Uzbequistão eu o incluí como se eu já tivesse, naquela primeira entrada, conhecimento do universo com que iria me deparar. Mas não tinha. Era uma reflexão perfeita para um prefácio ou um posfácio, já que foi capaz de resumir com precisão as descobertas do viajante. Nada mais justo de incluí-lo aqui. Ei-lo, então. A síntese da viagem de 2003:

O que descobri foi uma sociedade dividida: cidades com partes claramente russas e partes claramente uzbeques; comunidades tajiques e originárias de outras partes da ex-União Soviética deslocadas de seu território pela infame política de miscigenação imposta por Stálin. Descobri um governo que lembrava muito o poder isolado do Kremlin, e também um povo simpático, às vezes inocente, às vezes maculado pela febre do capitalismo ainda fresco, vindo como um vento forte, encarnado nos turistas cada vez mais numerosos.

Espero que o diário revisado inspire ainda mais dos meus compatriotas a explorarem essa região fascinante do mundo. E que nunca mais seja apenas um brasileiro no Uzbequistão.

Londres, 8/4/2019

Clique aqui para ler a primeira parte do diário

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