Sunday, 8 October 2017

Nos Desertos, nas Montanhas (III): Tamchy

Clique aqui para ler o capítulo anterior
Clique aqui para ver um mapa com o itinerário da viagem
Clique aqui para ver mais fotos desta etapa da viagem

28/08/2012

Minha decisão foi ir a Tamchy, uma cidade a uns 30 minutos de carro de Cholpon-Ata, também à beira do lago, também um balneário, para ter uma outra visão da "riviera quirguiz", com menos gente e agitação. Antes, porém, decidi iniciar um longo passeio a pé por ruas perdidas de Cholpon-Ata, em direção às montanhas. O ar seco, a poeira e o calor sufocante me acompanharam pelas ruas sem asfaltar. O lugar me lembrava uma periferia qualquer, sem nenhuma casa ou construção mais chamativa.

De repente, encontro, à minha direita, um guarita na frente de um descampado amplo com um aclive progressivo, no pé da serra. Vejo lá pedras arredondadas, todas grandes, umas maiores, outras menores. Nelas, os fantasmas da pré-história.

Encontro nas rochas muitas inscrições, fracas e desaparecendo. Pinturas rupestres datando de a partir da era do bronze, aproximadamente do segundo milênio antes de Cristo. A essas pinturas, outras foram sendo agregadas, cortesia de povos que passaram pela região. Vieram os sakas (ou citas), os ancestrais habitantes da Sibéria, citados por Heródoto em suas crônicas, que ocuparam a região do Issyk-Kul e deixaram seus rastros entre os séculos VIII e III antes de Cristo. E os povos túrquicos, antepassados dos turcos, que em uma primeira leva de invasões vindos do que é hoje parte da China e Sibéria dominaram uma vasta área ao redor do lago por volta do século VI depois de Cristo.

Decepcionei-me. Esperava mais quando me disseram que este tesouro estava exposto aqui. Tirando um ou outro rabisco mostrando bodes selvagens e leopardos-das-neves, os demais são pequenos demais e estão quase invisíveis. Como se não bastasse, há poucas indicações no local sobre onde encontrar as inscrições, e a quantidade de pedras não é pequena. Passei mais de uma hora "caçando" inscrições, tentando entender o que elas significavam (em muitos casos, não é fácil sem um estudioso explicando), como se eu fosse um observador do céu noturno que tenta desenhar com os olhos as constelações sem ter nas mãos uma carta celeste. O lugar todo parece meio abandonado. Na guarita na entrada, onde supostamente alguém estaria vendendo entradas, não encontrei ninguém. Não há nada protegendo as pedras dos elementos. Assim, não é de se estranhar que as linhas vão se apagando, cobertas por sujeira e então lavadas por chuvas infinitas.

Mas nada de chuva neste momento. Caminhando e olhando os desenhos, tive que parar umas duas vezes para recobrar o fôlego, tomar água e reaplicar bloqueador solar, tamanho era o sol das 9h30 da manhã. Quase não conseguia me concentrar para ver a arte rupestre, gotejando suor nas pedras.

Retomei a caminhada, indo dali até a estrada principal, lá embaixo, a mesma que vai até Bishkek. Totalmente distraído, quando olho ao redor vejo que estou no meio de uma vasta pista asfaltada, basicamente uma longa reta refletindo o sol. Ela surge do nada e não é a estrada. Não vi nenhuma placa explicando onde eu estava, não enfrentei cercas, nada. E, de repente, vejo um carro a milhão me ultrapassando, passando a uns três metros de mim. Me pergunto se estou em uma pista de corrida. E continuo com essa teoria até que, finalmente, quase chegando à estrada principal, vejo um helicóptero estacionado ao lado de uma casa, os dois tripulantes à beira da pista. Estou no aeroporto de Cholpon-Ata. Sim, estava andando no meio da pista, correndo o risco de ser atropelado por um avião pousando! Pelo jeito o pessoal aqui não liga muito para segurança e usa a pista para se divertir (daí o motorista que passou com seu carro ao meu lado) ou se deslocar para casa, como se esta fosse uma avenida como qualquer outra.

De qualquer forma, o lugar não deve receber muitos voos. Novamente, como no campo das pedras, ele me pareceu às moscas.

Continuei descendo. À minha frente, exatamente à minha frente, um sol imenso iluminando o lago cintilante. Azul e calmo.

Na estrada principal, penei horrores para conseguir parar um táxi coletivo que topasse me levar a Tamchy por um preço honesto. O transporte por lotações e táxis compartilhados é muito mais comum de que o por ônibus na Ásia Central, e aqui não é exceção. No entanto, os motoristas encontram um turista e só enxergam cifrões. Pechinchar é fundamental. Dois carros pararam, e os motoristas propuseram me levar pelo mesmo preço que eu havia pago pela viagem inteira de Bishkek para cá. No final, um grupo, incluindo dois velhinhos simpáticos usando o tradicional chapéu ak kalpak, topou me levar por cem soms (aproximadamente US$ 1,5). Mas tive que me virar com meu russo limitadíssimo para explicar como estava viajando com tão pouco dinheiro e assim precisava de um desconto na corrida.

Foi a primeira vez que pude ver de perto o ak kalpak. No meu dia caminhando em Bishkek, encontrei muitos homens usando-o, mas não a uma distância que me permitisse ver seus detalhes. Adoro chapéus, especialmente os centro-asiáticos, e o ak kalpak é, entre eles, provavelmente o mais exótico: branco, com detalhes pretos bordados com padrões tradicionais quirguizes, e alto - como se fosse uma cartola feita de feltro branco. Para terminar, de sua ponta, lá no alto, despenca um rabicho, uma linha que termina em um nó e um pequeno pincel. Muito bonito. O senhor quirguiz abriu um imenso sorriso de dentes de ouro quando elogiei sua indumentária.

Em Tamchy, tive minha primeira experiência de turismo comunitário no Quirguistão, uma ideia muito interessante para impulsionar a economia local. As comunidades em lugares pobres, mas com potencial turístico, se mobilizam para criar um centro para turistas em que os visitantes são conduzidos a pernoites nas casas dos locais e podem contratar guias para passeios. Uma associação nacional surgiu para dar apoio aos quirguizes interessados em empreender, ajudando na organização, explicando como converter casas em pousadas e o que oferecer ao turista. O esquema é bem-sucedido, trazendo divisas valiosas para comunidades de baixa renda, ajudando a desenvolver a infraestrutura e impulsionando mais e mais o turismo. No caso, em Tamchy, uma senhora com bom inglês me recebeu em uma pacata casa à beira da estrada. Era o escritório da associação local de turismo comunitário. Fui tratado com muito carinho. Logo ela me arranjou um lugar para ficar em uma propriedade próxima, pertencente a uma outra senhora, nos fundos de um terreno com árvores frutíferas. Havia lá duas casas - uma, a da mulher e sua família, e, a outra, o "hotel" - com salas espaçosas e tapetes cobrindo o chão de madeira e uma dez camas espalhadas em três cômodos. Do lado de fora, uma casinha com um chuveiro morno e outra com uma privada - um conforto a mais depois da pousada em Cholpon-Ata com o buraco no chão, para se agachar. Tudo, 500 soms (aproximadamente US$ 7), com café da manhã.

Cheguei a Tamchy às 15h30. Depois de me registrar no "hotel", o resto do dia se desenrolou muito como em um dia de verão numa praia brasileira. Fui para o lago. Havia muita gente na areia aproveitando o tempo bom e a água azul, mas bem menos do que em Cholpon-Ata. Em Tamchy, a extensão da praia também era maior. Andando descalço na areia, depois de alguns poucos minutos encontrei um espaço desocupado e me deitei. Cochilei no sol.

Uma hora depois, me emocionei ao, finalmente, entrar no Issyk-Kul pela primeira vez. Enfrentei os seixos pequenos e dolorosos sob meus pés nos passos para o fundo. Foi estranho sentir a temperatura. Fiquei instintivamente esperando uma água bem fria, mas já sabia que não era assim. Estava tépida, agradável, quase que uma extensão da temperatura do meu corpo. Muito transparente, sem nenhuma onda. Meus pés permaneceram visíveis, mesmo estando eu mergulhado até o peito. A água é salobra, mas não muito - um gosto parecido com o da água mineral engarrafada que havia comprado mais cedo.

Novamente, como em Cholpon-Ata, lixo na praia. E, aqui, camelos para turistas tirarem fotos. Já vi mais camelos por essas bandas do que em qualquer outro lugar na Ásia Central em que estive anteriormente. Mas sempre conduzidos por gente procurando conseguir uns trocados dos visitantes com dinheiro para jogar fora. Se existem livres na natureza os famosos camelos-bactrianos descritos por viajantes antigos, esses camelos naturais do coração da Ásia estão bem escondidos. Também encontrei umas vacas na areia, tranquilíssimas, totalmente no espírito do verão.

Mais tarde, a caminho do anoitecer, saí da praia para caminhar pelas ruas de terra do vilarejo. Foi quando uma legítima tempestade de areia transformou o panorama. Ela veio do nada, de repente. O forte vento levantou a areia da praia e a poeira das ruas, que chicoteavam minha pele e me impediam de abrir os olhos direito. De repente, me encontrei em uma cidade fantasma, quase um cenário de filme de faroeste: 17h30, o Sol ainda forte, o ar intransponível e amarelado, pouquíssimas pessoas ao meu redor, portas e janelas batendo, um homem com um cavalo passando apressado, tentando proteger o rosto. Nessa altura, pelo menos a temperatura do vento estava agradável. Mas o Sol teimou em não enfraquecer até muito pouco antes do anoitecer. Voltei brevemente à pousada para me proteger.

De noite, o vento se acalmou. Eu e um casal de turistas hóspedes na mesma casa decidimos enfrentar as ruas novamente para comer alguma coisa. No único restaurante que achamos, houve uma queda de energia. Na escuridão só iluminada por um lampião na cozinha, vi o casal europeu atacar dois apetitosos espetinhos de carne bovina, cheirosos, com uma salada de cebola ao lado. Eu fiquei sem o lagman (talharim estilo asiático, grosso, achatado) que pedi, o cozinheiro esqueceu de cozinhá-lo quando a luz acabou. Apesar da graciosa oferta do casal, não quis comer carne - nem sei porquê. Fui para casa comendo um pedaço de pão com pimenta, restos da janta dos dois. Fiquei satisfeito.

Mais uma vez, me espantou a pobreza e falta de infraestrutura dos locais. Estamos numa região turística, o dinheiro dos visitantes flui. Eu esperaria que o governo investisse aqui. Mas, aparentemente, não há coleta de esgoto. Na casa onde fiquei, por exemplo, não há, apesar de ela ser grande e confortável. Notei que a privada, com a qual me empolguei mais cedo, simplesmente cobre um buraco profundo na terra (novamente, como na pousada em Cholpon-Ata). A água vem de poços - trazida para a superfície por bombas manuais. A falta de saneamento acaba impulsionando todos a manter o hábito tradicional de ferver água e tomar chá quente, mesmo no calor. Além disso, nenhuma rua, a não ser a estrada principal para Bishkek, é asfaltada. Muitas casas aparentam estar largadas, precisando desesperadamente de uma reforma. São de alvenaria. As mais bonitas estão próximas à praia, onde está sendo construído um hotel chamado "Old Castle", assim mesmo, em inglês. Basicamente, a réplica de um pequeno castelo, com uma torre. Será que atrai turistas?

Apesar da riqueza de frutas - novamente vi árvores carregadíssimas, de maçãs e damasco, e encontrei geleias maravilhosas à venda -, toda a economia local parece depender exclusivamente do turismo. Muitos alugam quartos, outros têm pequenos empórios ou bares, todos apostando nos meses de sol. Não imagino quão deprimente seja esta região no inverno, com o vento desta tarde igualmente forte, mas gelado, com o tempo nublado, sem um turista sequer. Mas a beleza do Issyk-Kul serve de consolo.

Tamchy, 29/08, 7h

Clique aqui para ler o próximo capítulo



.

Wednesday, 4 October 2017

Nos Desertos, nas Montanhas (II): Cholpon-Ata

Clique aqui para ler o capítulo anterior
Clique aqui para ver um mapa com o itinerário da viagem
Clique aqui para ver mais fotos desta etapa da viagem

27/08/2012

As montanhas da serra Ala Too, sem árvores, bege esverdeadas, coroadas com neve nos pontos mais altos mesmo neste auge do verão, cercam Cholpon-Ata. Este é um dos locais mais surreais da Ásia Central. Aqui funciona um movimentado balneário frequentado por famílias de russos, cazaques e quirguizes. Os cazaques até alguns anos atrás ainda podiam vir por trilhas atravessando as montanhas - logo ali, do outro lado delas, fica a Almaty que visitei em abril.

Todos vêm para cá para ficar hipnotizados com o lago Issyk-Kul, um leviatã de águas azuis e verdes, muito transparentes, alimentadas por rios, pelo degelo e por fontes termais. À distância, vindo de Bishkek, o lago aparece no horizonte de repente, após minha lotação passar por uma serra. Aparece como uma grande faixa azul. Em vários trechos, não há nada à beira dele a não ser vegetação rasteira. O Issyk-Kul, o segundo maior lago de montanha do mundo (só perde para o lago Titicaca na Bolívia), fica a cerca de 1,6 mil metros de altitude e chega a uma profundidade de quase 700 metros. Estende-se por quase 180 km, ocupando o nordeste do Quirguistão. Curiosamente, mesmo no mais tenebroso inverno, jamais congela. Trata-se do resultado de sua alta salinidade e das fontes termais que o alimentam. Daí seu nome: "lago morno", a tradução literal de Issyk-Kul.

Testemunhou séculos de violência - mongóis a caminho de suas conquistas, chineses, tribos turcas. Esse seu passado de envolvimento em guerras contrasta com a paz que todos sentem ao vê-lo hoje. Nenhuma onda, só marolinhas, uma superfície de poucas rugas, a água até quase a perder de vista, só muito distante, em dias muito claros, talvez você consiga ver as montanhas do outro lado.

Há outros balneários, mas sem dúvida Cholpon-Ata é o mais movimentado. Há dezenas de barraquinhas vendendo comida e artesanato a caminho da praia; casas alugando quartos, hotéis e restaurantes ao redor da estrada - que liga Bishkek a Karakol, a maior cidade no leste, quase na China. Também há lojas vendendo boias coloridas. O estilo de todo local praiano, uma paulista Praia Grande, em escala menor. A areia é disputada. Talvez a principal diferença em relação às praias do Brasil seja a falta de corpos malhados. Os gordinhos e gordinhas se divertem sem frescura, com roupas de banho nada reveladoras. Apenas olho, apenas olho. Ainda vou tomar banho nesse azul.


* * *

Isso foi ontem. Hoje, acordei às 7h e vim à praia escrever. Optei por começar o dia bem cedo, sacrificando, em troca, qualquer agito na noite anterior para dormir o suficiente e acordar disposto. A estratégia me deu hoje a praia quase vazia. Alguns velhinhos já se banham, acarinhados pelo solzinho leve, enquanto mochileiros dormem com seus sacos de dormir na areia. Apesar do número de pessoas que aqui fazem veraneio, o balneário mantém sua magia. As montanhas ao redor são lindas demais. Na Serra do Mar do litoral paulista ou fluminense, as montanhas perto da orla são de uma mata densa, barulhenta de grilos e pássaros. Aqui, elas são silenciosas, são areia, são pedra, mato rasteiro, pouco mais que alguns insetos desconhecidos as usam como lar. Na curta planície entre elas e o lago-mar, álamos crescem juntamente com macieiras. Sentado em uma das mesinhas de madeira plantadas na areia, lembro-me de Parati: a mesma tranquilidade do porto da cidade. Mas estou a milhares e milhares de quilômetros do oceano mais próximo e ainda mais do Rio de Janeiro. Isso fica se repetindo como um mantra na minha cabeça.

Ontem, em Bishkek, o dia começou com uma surpresa bem ruim - longas viagens são inevitavelmente cheias delas, e concluo cada vez mais que são elas que nos ensinam as coisas mais valiosas. Perdi meu celular, que eu usava como despertador e, principalmente, como câmera fotográfica. Perdi em uma lotação, ele escorregou do meu bolso quando me deslocava do hotel para a rodoviária, onde peguei outra lotação para Cholpon-Ata. Estou à beira do Issyk-Kul sem poder tirar uma foto. Já me martirizei o suficiente pelo que ocorreu, e agora tenho a missão de comprar outro celular-câmera assim que voltar a Bishkek. Custe o que custar. Depois, no fim da viagem, volto para fazer novas fotos.

No caminho para cá, a estrada parece recapeada recentemente e boa parte dela cruza áreas desabitadas, de colinas e picos, novamente um terreno muito seco, sem árvores. Em dado momento, o asfalto passa em meio a duas colunas de montanhas, o chamado de "Desfiladeiro do Cadarço" - um nome curioso que ninguém conseguiu me explicar de onde vem. Lá encontrei pela primeira vez algumas iurtas - as tendas de forma circular dos povos nômades e seminômades da região. Até então, só as havia visto em um museu em Almaty, o que não conta. Na estrada, são usadas como moradia para vendedores de kumiz, o tradicional e popular leite de égua fermentado, que ainda não provei.

Em Cholpon-Ata, mesmo com o dinheiro dos turistas, falta infraestrutura. Na pousada onde fiquei, o banheiro é uma fossa, um buraco no chão, se enchendo de excrementos, poluindo o solo e a água subterrânea. Não sei quão regular é a coleta de lixo, mas em alguns locais perto da praia parece que isso não é uma preocupação. Garrafas de vidro quebradas ficam espalhadas pela areia. Não importa. Nada tira o deslumbramento deste lugar, nem isso. Ao lado da fossa da pousada, uma macieira e uma pereira tortas de tão carregadas de frutos me deixaram boquiaberto nesta manhã, e uma maçã vermelhíssima quase caiu em minha cabeça! Por pouco tive meu momento Newton.

A noite por aqui foi difícil. Ouço do quarto: como em uma boa cidade praiana, os jovens fazem seus luaus com pés na areia. Som altíssimo, um eletrônico bate estaca, bem anos 80. Desmaiei de cansaço e uma hora depois acordei espantado com a bizarrice, na parte final da balada: uma versão em russo de The Lady in Red, de Chris de Burgh. Em seguida, Hello, aí sim em inglês, a versão original de Lionel Richie. O momento dos casaizinhos se amassarem, talvez? Depois de Hello, por fim, tudo ficou em silêncio. Acabou por volta da meia-noite. Acho que no Brasil as festas de praia não terminam exatamente assim...

De volta ao presente. Estava me preparando para sair da praia, e um casal ficou curioso comigo e me abordou. A moça, bem simpática, russa com um inglês decente, me recomendou que hoje eu vá a Karakol, a umas três ou quatro horas daqui. Muito bonito, ela diz. Sou um rebelde. Me recuso a decidir até daqui a pouco.

Cholpon-Ata, 28/08, 7h30

Clique aqui para ler o próximo capítulo




.

Sunday, 1 October 2017

Nos Desertos, nas Montanhas (I): Bishkek

Clique aqui para ler o prefácio deste diário
Clique aqui para ver um mapa com o itinerário da viagem
Clique aqui para ver mais fotos desta etapa da viagem

26/8/2012

Fecho os olhos.


A imagem surge. O verde intenso da Inglaterra. Em arbustos e árvores de verão, molhados, encharcados, gotejando de chuva.

O verde desaparecendo aos poucos. Entra o ocre. A poeira. O calor. O deserto, arbustos rasteiros, uma luz intensa.

E depois, vejo as montanhas, altas, altíssimas, lá no fundo, além da poeira do deserto.


Abro os olhos.


Duas pessoas checaram meu passaporte durante a longa jornada Birmingham-Londres-Berlim-Istambul-Bishkek, que me devolveu à Ásia Central em quase 24 horas de viagem. As duas checagens ocorreram no aeroporto de Tegel, em Berlim. Os dois funcionários da Turkish Airlines fizeram a mesma coisa, procuraram meu visto quirguiz. Folhearam lentamente o documento. Um deles enunciando, em voz alta, cada visto que encontrava. "Cazaque"... breve silêncio. "Uzbeque"... breve silêncio. "Tajique"... breve silêncio. "Ah, quirguiz!"

Me senti orgulhoso em ambos os casos. Foi um sufoco conseguir cada visto, em Londres. Longos meses indo e vindo de consulados, contatos telefônicos, tirar fotos, gastar dinheiro e mais dinheiro. Enfim! Todos no passaporte! Vê-los só pode ser um presságio de coisas boas. De novas aventuras. De um medo bom, gostoso, do desconhecido.

Cheguei a Bishkek, capital do Quirguistão, no mesmo horário das duas vezes que visitara o Uzbequistão: de madrugada, 3h da manhã. Boa impressão - pouca burocracia. Cheguei, peguei uma fila, mostrei meu passaporte a um policial, ele carimbou, peguei minha mala e saí para o saguão do aeroporto Manas. Nada de formulários malucos para preencher ou comprovantes para guardar durante minha estada. Não quiseram olhar dentro da minha bagagem! Abri um largo sorriso. Que se foi rapidamente.

No saguão, procurei pela motorista que eu havia combinado previamente que iria me receber e me levar para o hotel. O saguão de desembarque - também como ocorrera em minhas viagens anteriores à Ásia Central - estava lotado de taxistas farejando o cheiro de dólares dos turistas. Me assustou bastante o fato de eu ter ficado à mercê daquela corja. Cansado da viagem, cansado por causa do horário. É traumatizante, ainda mais sem saber falar a língua local. Lembrei-me do caso de minha visita a Bukhara, em 2003, quando o ônibus me deixou em uma estrada no meio do nada no romper do dia e fiquei cercado de taxistas agarrando meus braços. Os taxistas te abordam várias vezes, falam russo e inglês, tentam te vencer pelo cansaço e quase me venceram. Estava com a mão no dinheiro quando minha motorista - uma calma e simpática senhora de uns quarenta anos - apareceu se desculpando, dizendo ter se atrasado para sair de casa. Fomos correndo para o carro deixando os taxistas resmungando.

Deixamos o aeroporto e seguimos em direção ao centro num Lada. A capital quirguiz me recebeu em um breu quase completo. Atravessamos um trecho - que julguei eu ser um campo agrícola - completamente às escuras, apenas com a luz dos faróis do carro. Já na cidade, postes com luz amarelada acenavam uns aos outros de grandes distâncias. Saímos de uma avenida mais larga, entramos numa ruela novamente sem iluminação e com asfalto irregular. Dando pulos no banco do carro, chegamos ao hotel, que me pareceu um perfeito esconderijo. No escuro, ficamos tocando a campainha até uma moça abrir o portão. Nada de letreiros coloridos indicando que se tratava de um hotel. Era uma casa como qualquer outra.

Lá dentro, a moça confirmou minha reserva e me deu algo mais do que eu esperava pela fortuna de US$ 35 por noite. Esperava um quarto de hotel três estrelas. Ela me deu praticamente um apartamento: sala de estar com sofá, quarto, banheiro, piso laminado de madeira novo em folha e uma deliciosa cama de casal. Tudo impecavelmente limpo e cheiroso. Praticamente um palacete. Liguei o ventilador para driblar o calor de 27 graus. Dormi como um anjo.


* * *

No dia seguinte, acordei às 11h, tomei meu café da manhã com dois ovos fritos e chá preto e fui caminhar. O hotel do lado de fora era uma linda casa - mais para um casa de subúrbio americana do que para qualquer coisa centro-asiática - escondida atrás do portão. Abri a porta de metal, fechei, respirei fundo vendo a rua esburacada e as árvores. Fui dar meu primeiro passo, olhando para o Sol que me ofuscava.

Tropecei feio, torcendo o tornozelo e ralando o meu joelho direito. Sangue.

Levantei-me, ignorei a dor, deu preguiça de voltar para o quarto e para o kit de primeiros socorros. Pensei rapidamente na possibilidade de uma infecção ou mesmo tétano abreviarem minha viagem (ou minha vida). Concluí que não podia perder um segundo e aquilo era só uma raladinha. Duas gotinhas vermelhas escorriam em direção a meu pé.

Vermelho. Comparando com outras cidades da ex-URSS que eu conhecera, Bishkek me espantou. Logo a três ou quatro quadras do hotel: eu nunca havia visto tantos resquícios da era Comunista. Após todas as viagens a esta parte do mundo, finalmente encontrei uma estátua de Lênin. Uma estátua imensa, imponente, de metal prateado, com o Lênin em sua postura tradicional de professor, apontando para um caminho perdido há 20 anos. Depois descobri. A estátua estava antes na principal praça da cidade, a praça Ala Too. Hoje, está atrás dela, parece que tentaram esconder um pouco. Mas foi um esforço tímido. O líder ainda está bem no centro de tudo na capital quirguiz, em uma praça em frente a um prédio do governo.

Bem perto, na mesma praça, encontro também pela primeira vez uma estátua de Marx e Engels. Curiosamente, os dois cientistas políticos conversam sentados em frente a um prédio que, ainda guardando sinais da arquitetura soviética - uma foice e martelo na fachada e um mastro com uma estrela no seu teto - , hoje é ocupado por nada menos que a Universidade Americana da Ásia Central. O que as antigas autoridades do PC achariam disso?

O dia foi de um Sol glorioso e de calor beirando o insuportável. Tentei aproveitar ao máximo as sombras, o que não foi difícil. O centro é bem arborizado, um oásis cheio de praças. Uma delas, para minha alegria, tinha um fantástico bebedor com água gelada jorrando sem parar, e uma fila constante de cinco ou seis pessoas. Fiz duas visitas durante o dia. Nas duas, praticamente tomei um banho - água na nuca, no peito, no rosto.

Não comi nada a não ser o café da manhã no hotel. E a bebida foi a água da praça e umas duas latas de Coca-Cola. Durante o dia, porém, fiquei curiosíssimo em relação a uma bebida vendida praticamente em todas as esquinas por senhoras entediadas com guarda-sóis. A bebida industrializada da empresa Shoro, chamada maksym, custava a miséria de 8 soms (cerca de US$ 0,10) um copinho pequeno. Cor de café com leite. Pensei: se eu não gostar, jogo fora, não será nenhum prejuízo.

De fato, beber aquilo foi uma das piores experiências que já tive na Ásia Central, e acabei jogando metade na sarjeta. O maksym, salgado, feito com malte, me fez imaginar que eu estava degustando uma poção à base de algum tipo de secreção digestiva. Do lado positivo, me lembrou, por ser salgado, o ayran turco, o doogh persa. Mas só me lembrou, porque o gosto é bem diferente e repugnante. Talvez eu tenha tido azar e tomado um estragado. Já planejei dar uma segunda chance à bebida numa futura oportunidade - quando voltar para Bishkek, em outubro, para os meus dois meses de estudo de russo.

Pelas esquinas, entre os parques, nas avenidas longas, há vários locais vendendo deliciosas samsas (folhados triangulares com recheios de carne, frango, queijo) como as que encontrei em Almaty, churrasco grego e outras bebidas locais que, por ora, decidi deixar de lado: bozo, kumiz. Há muita coisa diferente por aqui. Até os pássaros. Cantam alto com trinados que nunca ouvi antes.

Amanhã, vou à praia. Uma praia a milhares de quilômetros do mar.

Bishkek, 27/08/2012, 7h53

Leia aqui o próximo capítulo




.

Wednesday, 27 September 2017

Nos Desertos, nas Montanhas: Prefácio

Uma viagem que foi escrita e reescrita, se repetiu, se repetiu de novo, e em retornos e relembranças durou nada menos que cinco anos.

Nos Desertos, nas Montanhas é o diário de uma viagem feita entre agosto e dezembro de 2012 a quatro países da Ásia Central - Quirguistão (onde morei por dois meses, na capital, Bishkek), Cazaquistão, Uzbequistão e Tajiquistão. Aos amigos que conhecem meu trabalho, trata-se de uma continuação do longo projeto, incluindo diários passados e futuros, que visa apresentar o desenvolvimento paralelo e conjunto de dois universos: o meu, puramente pessoal, com as mudanças da minha vida e todas as diferenças que se tornam claras com o envelhecimento (mudanças de valores e conceitos, o impacto de lembranças e a inevitável e constante busca da própria identidade), e o universo dos ex-países soviéticos da Ásia Central - sua incomensurável bagagem cultural e histórica, sua traumática ruptura com eras passadas e a sua imensa incerteza futura, fruto, novamente, da procura constante pelo que representam. Seguindo a linha estabelecida pelos diários anteriores, Nos Desertos, nas Montanhas procura ser uma obra única, construída na longa tradição desse tipo de literatura, mas tornando-se algo mais: o retrato de uma pessoa comum que se espelha e se vê em mudança concomitante a um destino que volta a visitar entre os anos. Quiçá o próprio destino mude simplesmente devido à visita do viajante. Ou quiçá o próprio destino sequer exista a não ser na visão única do viajante, em seu contexto temporal específico. Sendo certeza apenas que ambos, viajante e destino, compartilham a mesma busca por si próprios.

Dessa forma, este diário só pode ser compreendido no contexto de longo prazo, como uma etapa de uma longa jornada. A primeira versão de Nos Desertos, nas Montanhas foi escrita durante a própria viagem, mas só começou a assumir forma final em 2013, após a publicação do Diário de Almaty, um relato curto, de oito partes, que narra as três semanas que passei na cidade cazaque em 2012. A demora na publicação de Nos Desertos, nas Montanhas reflete o longo e lento trabalho de redação, edição (repetidas vezes, cada uma delas uma nova viagem) e revisão, e a ambição inédita do trabalho. Diferentemente de Diário de Almaty e do diário anterior sobre a mesma região, Um Brasileiro no Uzbequistão (2003), este novo diário é muito mais longo e não mais adota um limite de palavras por capítulo. Além disso, inclui muito mais fotos, um mapa interativo e vídeos, que, espero, tornarão a experiência muito mais agradável a todos os companheiros que me acompanharem nessa viagem.

Inevitavelmente, a longa demora para a publicação de Nos Desertos, nas Montanhas fez com que muitos trechos ficassem desatualizados. Na esfera econômica, a desaceleração econômica chinesa e a queda nos preços internacionais de commodities como o gás natural tiveram um impacto claro em todos os países da região, aumentando o risco de instabilidade e favorecendo a adoção de medidas de repressão política. Nessa esfera, num mundo que parece em mutação rápida e frenética, refletindo a conjuntura pós-11 de Setembro e Primavera Árabe, era de se esperar que as mudanças chegassem também ao longínquo Turquestão. Apesar de ainda viver de forma clara e palpável o legado dos anos soviéticos (o que ficará bastante claro no decorrer da viagem), os países da região passaram nos últimos anos por significativas mudanças políticas, em menor ou maior grau dependendo do país.

A mais significativa foi no Uzbequistão. A morte do primeiro presidente do país, Islam Karimov, em 2016, trouxe ao poder Shavkat Mirziyoyev, um líder espantosamente progressista. Em seu primeiro ano de poder, o novo presidente promoveu mudanças que pareciam mentiras aos mais otimistas analistas - defendendo publicamente a liberdade dos meios de comunicação, reaproximando-se de rivais regionais há muito ignorados por Karimov, adotando medidas para eliminar o trabalho infantil e a muito esperada mudança no câmbio fixo (que alimentava um vigoroso mercado negro de troca de moedas estrangeiras) e até mesmo indicando que pode tolerar algum tipo de oposição política (o que ainda não aconteceu). Apesar de todas as mudanças, optei por manter minhas reflexões sobre o Uzbequistão de Karimov neste diário intactas, acreditando que se tratam, acima de tudo, de um retrato e uma reflexão históricos que ajuda a entender o Uzbequistão atual e suas mudanças mais recentes.

Se o Uzbequistão seguiu um caminho certamente positivo, o mesmo não se pode dizer do Tajiquistão. O único país da região a viver uma guerra civil (1992-1997) e o mais pobre entre os ex-soviéticos, o Tajiquistão testemunhou desde 2012 o recrudescimento do regime do presidente Emomali Rahmon. Certamente não é coincidência que foi justamente em 2012 que o país viveu um sério conflito na região do Pamir, envolvendo milicianos armados e forças do governo, o que trouxe à tona o fantasma da volta da guerra civil e quase me impediu de visitar a região. Após o conflito, Rahmon reforçou seu controle sobre as elites locais, usando todas as armas necessárias para banir aqueles que representassem algum tipo de risco à sua hegemonia. Isso se traduziu na punição ao Partido do Renascimento Islâmico do Tajiquistão, que foi banido em 2015. A existência do partido, o único de cunho islâmico em toda a Ásia Central, havia sido um dos pilares do acordo de paz de 1997. Em flagrante desrespeito ao acordado há 20 anos, Rahmon eliminou o partido. Minha visita em 2012 mostrou um Tajiquistão sombrio, assustador, nas mãos implacáveis de um déspota que estampa seu rosto nos principais prédios. O Pamir, com sua identidade própria, respira com alívio sua relativa autonomia, refletindo talvez o isolamento físico das montanhas. Mas, como ocorreu em 2012, a qualquer momento o Tajiquistão pode voltar a explodir, e o Pamir certamente é um dos prováveis cenários para que isso ocorra de novo.

Cazaquistão e Quirguistão seguem basicamente os mesmos caminhos de 2012, com alguns desdobramentos que podem ter importantes implicações no futuro. No Quirguistão, o presidente Almazbek Atambayev conseguiu aprovar mudanças na constituição que foram severamente criticadas pela oposição e até mesmo por ex-aliados, como a ex-presidente Roza Otunbayeva. As mudanças, segundo a oposição, aumentaram os poderes do primeiro-ministro. Impedido de buscar a reeleição em outubro de 2017, Atambayev deve se manter muito próximo do poder com a esperada eleição de um aliado para a presidência e a sua própria provável indicação para, justamente, o cargo de primeiro-ministro. A reforma constitucional e a provável continuidade de Almazbek nas esferas de poder colocam em dúvida o único experimento de democracia ao estilo ocidental em toda a Ásia Central. No Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev é o grande sobrevivente - o último presidente da era soviética ainda no poder na região. Embora mantenha controle absoluto do país e um genuíno apoio especialmente em cidades grandes, o presidente, de 77 anos, parece cada vez mais olhar para seu próprio legado e a transição após sua morte. Embora tenha enfrentado um inesperada onda de protestos em 2016, forçando-o a mudar um projeto de lei que pretendia liberalizar a venda de terras para estrangeiros, o presidente em 2017 apoiou uma nova lei que reduz seus próprios poderes e aumenta os do parlamento. Para críticos, a mudança ainda significa pouco, já que não há oposição de verdade no país. Mas ela pode ser um sinal de que o presidente espera ver um novo universo político no Cazaquistão, mais pluralista, num futuro em que não esteja mais presente.

Se houve mudanças no universo centro-asiático, evidentemente também houve mudanças no meu próprio universo. Se em 2012 eu comemorava o fim de meu mestrado, com o inevitável retorno ao Brasil e a meu antigo emprego em 2013, hoje vivo um retorno à Inglaterra, onde vivi entre 1999 e 2006, assumindo novamente residência em 2014. Sinto que sou um ser mais pragmático e talvez menos aventureiro, mas quando as conversas me levam para o meu amado coração da Ásia, tudo muda de figura. O exercício de escrever Nos Desertos, nas Montanhas me levou de volta a algumas das grandes referências literárias de minha vida - autores que, certamente, um leitor atento poderá encontrar em vários trechos do meu trabalho. Em primeiro lugar e sempre, Ryzchard Kapucinski, em particular por seu trabalho em Imperium (1993), o livro em que o polonês vasculha o universo soviético. Em segundo lugar, o lirismo de Colin Thubron. E a seguir, muitos, muitos outros, desde os cronistas da antiguidade até os modernos, passando por Marco Polo e Ruy González de Clavijo. Com todos, tenho uma dívida imensa. Espero que as citações de seus trabalhos façam juz à qualidade de suas linhas e atraiam muitos mais viajantes a suas aventuras.

Londres, 27/09/2017

Leia aqui o primeiro capítulo: Bishkek

NOTA SOBRE TRADUÇÕES, CITAÇÕES E ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Nos Desertos, nas Montanhas contém uma infinidade de termos nas línguas locais e em russo. Procurei padronizar a forma como são escritos de acordo com a grafia que, em primeiro lugar, me pareceu a mais comum para o termo em português brasileiro ou, em segundo, a forma como aparece dicionarizada. Dessa forma, por exemplo, usei termos como "gaznévidas" (em inglês, "Ghaznevids") em vez de "ghasnávidas" ou mesmo "gasnávidas"); "Iurta" em vez de "yurta" ou "yurt"; ou "Genghis Khan" em vez de "Gingis Khan" ou outras variantes. Termos não dicionarizados, em língua estrangeira, aparecem grafados em itálico.

Todas as citações de outras obras no texto foram traduzidas por mim. Mantive os títulos das obras no idioma ao qual tive acesso às mesmas, não necessariamente o idioma em que foram escritas originalmente.

Por fim, cada capítulo começa com data a que o mesmo se refere e termina com a data e o local em que a entrada no diário foi escrita - não necessariamente a mesma abordada no capítulo.

Monday, 12 September 2016

Will Uzbekistan get closer to Russia? Ask the new boss



it was an exciting prospect. A long due, long expected political transition in a country that had never seen a political transition before. The promise of change in one of the most repressive regimes on Earth. Speculation about succession. What is in the constitution? Will different clams have its round on the windy top? Nah. What we have seen in the week after the State funeral of Karimov, on September 3rd, matched what most political analysts were expecting, continuity, with perhaps the thinnest layer of unpredictability, which, was can be easily seen, just serves to the purpose of continuity.

Most predictions (mine as well) were that power in Uzbekistan would go either to the prime-minister Shavkat Mirziyoyev or to the finance minister Rustam Azimov. Shavkat soon appeared to be the heir to the throne. During the funeral, it was him who led the tributes to Karimov. He shaked the hands of the very few foreign dignitaries present (among them, surprise, surprise, Tajikistan's Emomali Rakhmon, with whom Karimov had a "difficult" relationship, to say the least). It was Mirziyoyev who received Putin when he rushed to Samarkand to visit Karimov's tomb right after the G20 summit in China. And it was Mirziyoyev that, on a joint session of the Majlis (Parliament) on September 8th was anointed as interim President until the elections called for December 3rd. That was all very predictable. Even if Rustam Azimov were the one leading the tributes, it wouldn't have been strange at all. Basically, what happened in the days after Karimov suffered his stroke and was brain dead and before the official announcement of his death was an intensive round of negotiations between the elites to decide who would best play the role of guardian the continuity of their political privileges. Mirziyoyev had years of experience as PM. Represented the interests of the powerful cotton industry and had the blessing of the security services. The drawback, compared to Rustam Azimov, was the lack of contact and experience dealing with the West (Azimov had worked with the European Bank of Reconstruction and Development).

On the other hand, Mirziyoyev had especial connections with a key player in the region, Russia. This stems from the family level. Mirziyoyev's niece was married to a nephew of one of the most powerful tycoons in Russia, Alisher Usmanov, an Uzbek billionaire whose assets include part of the Arsenal football club in England. His nephew died in a car crash, but the good relationship between the two men has apparently continued. This could be seen as just a small detail, nothing that could add weight to the assumption that Mirziyoyev will get closer to Russia than Karimov. Nevertheless, in today's Putinite Russia, most deals are sealed in the shadows, between friends and allies. It is a parallel state in which definitely mafia rules of connections, honour and loyalty to the core group apply. Though distant, Mirziyoyev has a connection with a member of this inner circle and, in Putin's world, this is key. It is the perfect bridge to push for changes that probably Karimov would have seen with great caution. And this is a surprise that came by with the new Uzbek leader. There are few indications, already, that he will align himself much closely to Moscow.

Mirziyoyev tried to turn things a little topsy-turvy though. In his address to Parliament after been appointed, he said: "The firm position of our country, as before, is to not join any military-political bloc, to not allow the deployment of military bases and objects of any other state on the territory of Uzbekistan, or the deployment of our soldiers outside the borders of the country." That literally means that Uzbekistan, under his lead, will not rejoin the CSTO (Collective Security Treaty Organization), Russia's Military alliance with most Central Asian countries of which Uzbekistan was a member and then left. Twice. Karimov was known to be as wary of neo-imperialist aspirations of Moscow as it was of the democratizing agenda of the US. He liked to play with both superpowers, sometimes getting closer to one and, them, shifting sides. During the offensive against the Taliban in Afghanistan from 2001, he allowed the US to use an air base in the South of the country. Then, in 2005, on the wake of the Andijan killings that generated so much criticism against Karimov in the US, he withdraw the authorization for use of the base and got closer to Russia. Well, apparently Mirziyoyev would be like this. Hence, continuation.

But on the same speech, he devoted interesting minutes to Moscow. He said that he expected a "consistent and comprehensive strengthening of friendly relations with the Russian Federation". And noted that current treaties between Russia and Uzbekistan "met the interests of both nations and serve to bolster stability and security in the region". Here, he is saying something completely different. He is saying that expect closer ties between the two parties and that current ties serve the very core of Islamov's rule, stability and security. I see here an opening to further treaties if more effort is needed in the region to enforce stability and security. It might be the case that Mirziyoyev is trying to play Karimov, getting closer to Russia, but keeping his cards close to his chest to play as he please later. Nevertheless, I believe that, in this case, he would have been much more conservative in his comments about the links between his country and the Russian Federation. This is he announcing his way forward, not saying that he might choose one.

If this prediction is correct, Central Asia's geopolitics would be shaken. China, especially, would have to reassess its especial relationship with Tashkent (here is an excellent analysis) in a key moment. The recent bomb attack against the Chinese embassy in Bishkek suggests that Uyghur separatists might be expanding its operations to targets overseas in the region. This has never happened before. And, so far, China has avoided strengthening military and security ties with Central-Asian countries weary of Russian interests in the region. What would happen next? Could a new pro-Russia Uzbekistan be a source of tension between Beijing and Moscow?

Wednesday, 31 August 2016

The long silence about Karimov's health - and its risks



The silence about the "ilness" of Islam Karimov (his daughter announced in the 29th that he suffered a brain haemorrhage and not much was revealed afterwards) might be an indication that there is some sort of dispute or lack of consensus among the leaders about who should lead the country in his absence. This is bad news for the stability of the country. The longer there is no clear information about his health and about a successor, the more likely it is that there is some sort of unrest, encouraged by the perception that the country is suddenly without a guardian. Eurasianet.org reports that a shopper was attached in a bazaar in Tashkent for suggesting that Karimov is dead. On Tuesday, during an interview to the BBC, Ahmed Rashid, a prolific writer on Central Asia, reminded us that, although subdued, the Islamic Movement of Uzbekistan - an Islamism militia which attacked the country in the beginning of the 2000s - is still alive in Pakistan and might take advantage of this moment of uncertainty to lauch some sort of offensive. I believe that probably the IMU is too weak to represent a real threat, however, after clashes with the Taliban since it declared its allegiance to the Islamic State.

The greatest risk comes from elite fragmentation. When the leader of Turkmenistan died back in 2006, it was also sudden, but a new heir was clear shortly after. And the country remains pretty much the same until today. Ferghana.ru, an Uzbek oposition news agency based in Russia, today has an interview with a Tajik political scientist talking about the apparent struggle between the two men most often quoted to replace Karimov, the prime minister Shavkat Mirziyaev and the Finance Minister Rustam Azimov. "If the forces between them are equal, then it is possible that this could lead to some instability, but this is unlikely. It is more likely to be quite a smooth transition of power in the coming months. One of the main contenders will take control in their hands. " Nevertheless, I have to agree with a different view, in Eurasianet.org, which analyses the also likely scenario of Karimov being alive but temporarily incapacitated. "Non-death actually presents a difficult predicament for a government used to operating in complete obscurity. Does a physically and possibly mental frail Karimov pursue the Cuban scenario, handing over power to a handpicked successor (although not necessarily a member of his family)? And if Karimov is unable to do even that, do contenders to his job begin jostling while he lies prone in a hospital bed? Authoritarian states like Uzbekistan are not well equipped to deal with such ambiguity and like their leaders to be either dead and venerable or alive and virile — not something in between."

Suggestions that a struggle behinds the scenes is taking place have gained momentum with one rumour which reached the western press on Monday that Rustam Azimov was placed under house arrest. Of course, no confirmation on this. Also, there are rumours that the celebrations on the 25th anniversary of the independence were not cancelled after all and will be led by Mirziyaev, which would them be on its way to coronation. The arrest of Azimov would moreover indicate that the all powerful National Security Committee and its leader, Rustam Inoyatov (considered by most analysts a kingmaker, not a serious contender to replace Karimov) might be supporting Mirziyaev.

Important to mention that reports from Tashkent indicate life as normal. No increase in the number of policemen on the streets. The government is clearly quite keen on keeping an illusion that life goes on as normal, as if the only president this country has ever known is not (half?) dead.

Tuesday, 30 August 2016

The "second Tamerlane" who created an independent Uzbekistan


Islam Karimov was one of the great survivors among the long-time leaders of former Soviet Central Asia, holding to power since the very beginning of Uzbekistan as an independent nation, in 1991.

A controversial leader, he was able to crush the opposition in Uzbekistan, the country with the largest population in the region, which he claimed as his personal fiefdom. No dissent was tolerated under his rule.

Here is how the NGO Human Rights Watch describes the situation in Karimov's Uzbekistan: "Thousands are imprisoned on politically-motivated charges. Torture is endemic in the criminal justice system. Authorities continue to crackdown on civil society activists, opposition members, and journalists. Muslims and Christians who practice their religion outside strict state controls are persecuted, and freedom of expression is severely limited. "

But, while accused of blatant human rights violations, many Uzbeks never knew other president and he had a following as well. On Twitter, the news of his apparent death was followed by messages of sorrow from youngsters who admired his leadership.

Indeed, no one can argue with this: Karimov managed to keep relative stability in a country at the gates of Afghanistan during all these years of Taliban rule and then military intervention from the West. Also, cunningly, he was able to manoeuvre among the different political clans in Uzbekistan and create a strong consensus.

And this is the reason that his apparent death generate so much unease.

Building a nation

Born in Samarkand in 1938, Karimov was already at the top of the Communist Party hierarchy in Uzbekistan in 1991, when, suddenly, the country found itself independent with the fall of the USSR.

Being the chosen leader, he was faced with the task of building an identity for a country which, since it was came into existence as an Uzbek Soviet Socialist Republic, always had understood itself as part of the Soviet dream. Uzbeks, hitherto Homo sovieticus, needed to become Homo uzbekus. Perhaps this is Karimov's biggest legacy.

Follow to the letter the roadmap of ethnosymbolism, Karimov sought the development of myths and a history that linked the Uzbek people to its land for centuries, in a process that had already started during the Soviet times. After independence, he encouraged the adulation of an obscure 14th century Turkic conqueror, Tamerlane, as an example of a leader benevolent and wise, but also strong.

"A man cannot be a creator and a barbarian simultaneously... can (a villain) craft such a wise saying as 'the strenght is in justice", said Karimov about Tamerlane. A museum dedicated to the conqueror opened in downtown Tashkent in 1998 and whoever visits the country today will be amazed to see his image virtually everywhere.

There is a theory that the statues of Tamerlane that sprouted around the country replacing those of Lenin represented a "cult of personality by proxy" in which Karimov was actually assuming the role of Tamerlane. Who, historical references show, was a brutal murderer of thousands during his military campaigns.

Karimov, also presenting itself as strong and wise, vowed above all to guarantee the stability of the land of the Uzbek people. Regardless of the price.

IMU and the Islamist threat

There were perhaps two key events which, if not "created" Karimov, made all his convictions stronger. Convictions about the need to maintain strict control over all aspects of society - especially those that could offer an alternative to his own rule, could offer a escape valve to his mismanagement, chronic poverty and unemployment. Convictions about developing Uzbekistan as a fiercely independent nation, seeking a multivetorial foreign policy which would bring it at times closer and away from the biggest powers seeking to use his country for its own interests.

The first event was the rise of radical Islam in Uzbekistan in his first decade as president.

Right after independence, an Islamist group, Adolat, assumed the control over the city of Namangan in the Ferghana Valley, a region in Eastern Uzbekistan where conservative Islam took root. Although initially Karimov tried to establish a dialog, later he saw no other alternative but force them out to retake the city.

The leaders of Adolat fled to a neighbouring country, Tajikistan, which faced at the time a Civil War (1992-1997). They fought the war and, after it ended, entertained the dreams of going back to Uzbekistan and ousting the president.

In 1999, a series of explosions shook Tashkent, blamed by Karimov on the group they had formed, the Islamic Movement of Uzbekistan (IMU).

The IMU eventually invaded Uzbekistan and was a huge headache for Karimov, who saw the group lose its clout during the US invasion of Afghanistan in 2001. As a result of all this process, since the formation of Adolat, Karimov significantly tightened the grip against practicing Muslims and embraced once and for all Uzbekistan as a country in which the slightest sign of religious extremism would not be tolerated.

The Ferghana Valley was in fact occupied by the army, which still has a strong presence there. Many people were arrested just because they were suspected of being islamists and remain behind bars.

Andijan and foreign relations

The second factor reflects what happened in 2005. Karimov was taken by surprise, again in the Ferghana Valley, when a peaceful protest in the city of Andijan quickly turned into a bloodbath, with the police killing hundreds (some say up to 1,500).

If public dissent, with Islamic undertones or otherwise, were already heavily repressed in the previous years, the incident just made things worse to all those who displayed public criticism against the government.

But the Uzbek leader, who was lending his support to the US-led military coalition attacking the Taliban in Afghanistan, could not avoid the collateral damage, being criticized by their Washington friends.

Relations between both countries soared and not long later Karimov withdraw consent for US use of airbases in Uzbek territory.

Karimov's scepticism towards foreign governments was greatly boosted after this two seminal moments. It was as if he was surrounded by potential sources of instability (Tajikistan, Afghanistan) and by superpower weasels which were quite keen to take whatever he could offer, but would not stand by him when he needed it most.

Russia was not an exception. Although drawn to integration projects such as the Collective Security Treaty Organization, a Security pact among former Soviet countries, Uzbekistan joined and quit the organization twice, reflecting bad moments in the relations between Tashkent and Moscow and moments of reconciliation between Tashkent and Washington.

He adopted this strategy: regarding foreign powers, he draw the cards. He would approach Russia and the US whenever it suited him. He would play his own cards close to his chest.

And regarding troubled neighbours like Tajikistan, Kyrgyzstan and especially Afghanistan, he would adopt the policies of often closed borders and pressure. Certainly not a good neighbour.

Future

The death of Karimov therefore represents unavoidable hope for many - for the Uzbek people, above all, who yearn for more freedom and reforms that might address chronic economic problems in the country. And for other countries, keen to finally be able to establish better economic and political ties with the home of 30 million Uzbeks.

But how likely it is that the new Uzbek leader will steer the country towards a new direction? Very unlikely, according to different analysts.

First of all, Karimov was able to establish a consensus between elites, clans and economic groups in Uzbekistan. It was a remarkable feat, since Uzbekistan, up until the 1920, was still so divided that its current territory was occupied by two Soviet protectorates, nominally independent, who fought against each other for centuries.

Clan politics have always played an important role. Karimov is from Samarkand, but in order to create stability needed to make alliances with other groups, notably the Tashkent clam.

Nevertheless, now, analysts from the BBC Uzbek service say, clan politics are no longer that important in Uzbekistan. The key now are economic groups, which control the main sources of income of the country, such as, for example, the cotton industry. Karimov managed to be a common denominator for all, which, again, just proves his political abilities.

Probably his replacement will need to be a person who can provide some sort of consensus as well. This means a person that is willing not to make big changes - at least not for the time being.

In a country that never witnessed democracy and in which no significant opposition exists, after years of repression, it is also very unlikely that people will suddenly took to the streets in Bukhara and Tashkent to demand a democratic rule. More likely, people will simply be confused and ask themselves "what now"? Bear in mind, any 25 year old person or younger in Uzbekistan never had any other president, just Karimov.

Nevertheless, to avoid the risk of instability, especially due to disputes among economic groups, a successor will likely be named soon - pretty much along the lines of what happened in Turkmenistan in 2006, when in a blink of an eye long time leader Saparmurat Niyazov was replaced by a deputy prime minister, Gurmanguly Berdimuhammedow.

Most analysts believe the most like replacement is the prime minister Shavkat Mirziyayev, who has been leading the government since 2003. There are indications that, if he is indeed chosen, Uzbekistan not only will not be closer to becoming a Western-style democracy, but will be further away from it than under Karimov's rule.

An article published by Radio Free Europe analysing Mirziyaev says that he has been described as a "thug who is short on reason and quick on aggression" and that he assaulted a farmer during his tenure as governor of a province. Another article, in Eurasianet.org, says he is a "Russia-friendly figure", although it didn't explain why.

More palatable to the West, perhaps, is the second most commonly named potential replacement, Finance Minister Rustam Azimov. Unlike Mirziyaev, he has experience dealing with the outside world, being in charge of negotiations with the European Bank for Reconstruction and Development for a while.

Although Azimov and Mirziyaev are considered favourites, it is important to bear in mind that Uzbek politics are so secretive that the political pact which will be translated in a consensus name might take us to a complete surprise (though, again, certainly not to dramatic political changes). Pretty much like the process of choosing a new pope in the Vatican.

And, of course, no leader is the same. Uzbek analysts believe that, whoever is chosen will probably promise reforms so to galvanize popular support in the start of his journey.

And might even deliver some, probably frustrating those expecting all promises be fulfilled.